A devastação da greve dos caminhoneiros
1º de junho de 2018
José Pastore
Toda greve de transporte tem efeitos perversos porque detona uma cadeia de perdas.
Mais grave é quando essa greve atinge as atividades essenciais como a paralisação dos
caminhoneiros. Os prejuízos foram monumentais. Em artigo recente, Cláudio Considera
do Ibre/FGV estimou uma redução de R$ 100 bilhões no PIB de 2018 somente na
primeira semana de greve, alertando que outras perdas devem ocorrer, como é o caso da
elevação de preços, crise de confiança, redução do investimento e destruição de
empregos (“Início da retomada pode se reverter”, Estadão, 29/5/2018).
A esta altura, pouco adianta saber se a greve foi justa ou injusta. Importante é deixar
claro que foi ilegal. Em todos os países, greves que afetam a produção e o transporte de
combustíveis, alimentos e medicamentos são cercadas de regras rígidas para a sua
deflagração. O aviso-prévio é uma delas. Outra é a manutenção dos serviços
mínimos. Assim é também no Brasil. A Lei 7.783/1989 exige que os grevistas garantam
a sobrevivência, a saúde e a segurança das pessoas. Nada disso foi respeitado no caso
em tela.
A paralisação que desrespeitar essas regras é ilegal e, como tal, implicar sanções civis e
penais. Por isso, estranhei a demora de o governo federal e do Ministério Público
federal e do Trabalho em acionar a Justiça do Trabalho para analisar e julgar uma greve
de tamanha gravidade. Alguns invocaram o argumento de que os caminhoneiros não são
empregados (são autônomos) e, por isso, não podem ser tratados como empregados nas
regras da CLT. Outros invocaram a natureza horizontal do movimento grevista baseado
mais no WhatsApp do que nos sindicatos.
Nada disso justifica a paralisação de uma atividade essencial como essa. Aliás,
sindicatos é que não faltam para essa categoria. Basta ver o site
https://www.chicodaboleia.com.br/sindicato-para-autonomospara ali encontrar
sindicatos de caminhoneiros autônomos em todos os estados do Brasil. Além disso,
inúmeras associações que congregam esses profissionais que deveriam ter sido
notificadas para responsabilizar a prática ilegal de greve em atividade essencial sem
obediência às leis vigentes e, com isso, conter o movimento no seu nascedouro.
Louvável foi a iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina que,
em menos de 24 horas de greve, entrou com pedido na Justiça requerendo, dentre outras
coisas, a citação dos responsáveis, incluindo as pessoas incertas e não conhecidas que
estavam ocupando, obstruindo e dificultando a passagem de caminhões nas rodovias
federais e estaduais, requerendo ainda a condenação dos réus a multas e custas
processuais. Ação semelhante era esperada no âmbito do governo. O apelo ao STF foi
tardio e, mesmo assim, sem muita convicção, pois o próprio governo vem acenando
com o perdão das multas e outras penalidades. E, para completar o quadro, ficou clara a
prática do locaute das empresas transportadoras, o que é proibido pelas leis vigentes.
Em decorrência da demora no acionamento da Justiça, o movimento paredista cresceu
numa sucessão de atos de truculência e chantagem e usou a sociedade brasileira como
refém. O Brasil virou um país sem lei e sem autoridade. A complacência com esse tipo
de ilícito será a senha para a prática de novos atos ilegais. Em uma sociedade livre não é
possível obrigar as pessoas a trabalharem contra a sua vontade, é verdade. Mas, é
inadmissível que venham colocar em risco a vida, a saúde e a segurança das pessoas
impunemente, causando prejuízos irreparáveis.
Conclusão: a economia brasileira foi ferida de morte no momento em que se iniciava
timidamente um processo de recuperação. A greve fez crescer o risco do PIB ficar
abaixo de 2% em 2018; criou um clima de insegurança de longa duração; e afastou
ainda mais os investimentos para reativar o emprego. Tudo isso regado por uma
verdadeira premiação aos que desrespeitaram, simultaneamente, a Constituição, a CLT
e os Códigos Civil e Penais. Não é assim que vamos estimular os que ainda acreditam
no Brasil.
*José Pastore é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da
FecomercioSP