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Pulicado no Correio Braziliense, 13/02/2017

Reforma trabalhista: objeções infundadas

Duas objeções têm sido levantadas em relação à idéia de dar força de lei às negociações coletivas sobre determinados direitos constantes da CLT como quer o projeto de lei 6.787/2016. A primeira diz ser inconstitucional negociar benefícios abaixo dos pisos fixados na Constituição Federal. A segunda argumenta ser inviável negociar-se com sindicatos laborais tão frágeis como os do Brasil.

Os que defendem a primeira posição alegam que o artigo 7º da Constituição Federal refere-se a direitos que visam a melhoria da condição social dos trabalhadores. Assim, os acordos e convenções coletivas só podem estabelecer condições mais benéficas do que as fixadas em lei. Trata-se de flexibilidade apenas para cima e nunca para baixo, o que torna o projeto de lei 6.787/2016 inconstitucional.

Os que defendem a segunda posição enfatizam as mazelas dos sindicatos laborais no Brasil. Fragilizados e sem representatividade, eles não conseguem conquistar condições vantajosas para os seus representados. Na esteira desse argumento, citam-se entidades que, a fim de locupletar seus dirigentes, "vendem" acordos e convenções prejudiciais aos seus representados.

As duas objeções merecem atenção, pois, certamente serão levadas ao Congresso Nacional durante das discussões do projeto de lei 6.787/2016. O que dizer sobre elas?

Em relação à primeira, considero difícil, senão impossível, definir por lei ou por sentença judicial o que é mais benéfico para os empregados. Nem os parlamentares constituintes tiveram a ousadia de fixar na Carta Magna o que é melhor para os empregados do Brasil. A noção de bom ou ruim, benéfico ou maléfico, melhor ou pior varia de acordo com a conjuntura econômica. À luz de fatos relativos a cada conjuntura, empregados e empregadores avaliam e lutam pelo que mais lhe convêm. O que é bom hoje pode ser ruim amanhã e vice versa. É isso que leva os sindicatos laborais a resistir redução de salário em momentos de crescimento econômico e, vice versa, aceitar ganhos menores na hora da recessão para, com isso, preservar seus empregos e o sustento de suas famílias.

O projeto de lei 6.787/2016 busca abrir espaços para o exercício dessa liberdade às partes. Compete a elas julgar o que é mais viável em cada ciclo da economia, resguardados, é claro, os direitos inegociáveis da Constituição de 1988 e das normas regulamentadoras que cuidam da saúde e segurança dos trabalhadores - como faz o referido projeto de lei. Seria inadmissível permitir, por exemplo, que empregados viessem a abrir mão de proteger sua vida e sua saúde na mesa de negociação.

Quanto à segunda objeção, devo dizer que, apesar dos graves problemas de representatividade que dominam boa parte das entidades sindicais brasileiras, os sindicatos laborais têm revelado uma boa capacidade negocial ao longo dos últimos anos. A análise dos acordos e convenções coletivas realizados no Brasil revela um bom histórico de reajustes salariais favoráveis aos empregados - conquistados por meio da negociação coletiva. Os dados disponíveis sobre cerca de 15 mil acordos e 4 mil convenções indicam que até nos momentos de forte recessão, como foi o ano de 2016, a maior parte das negociações coletivas redundaram em aumentos reais de salário e, na pior hipótese, aumentos iguais à inflação passada. E os poucos casos em que se negociou abaixo da inflação (minoria), os sindicatos buscaram, com isso, preservar os empregos dos seus representados (ver Boletins Mensais no Salariômetro, FIPE, 2016).

Em resumo, não vejo fundamento nas objeções apontadas. Transformado em lei, o projeto 6.787/2016 estimulará ainda mais a prática da negociação coletiva. Nessa trajetória, a nova lei levará empregados e empregadores a ficarem vigilantes em relação aos seus sindicatos o que, em última análise, ajudará a melhorar a sua representatividade. É assim mesmo: os músculos só se fortalecem com o exercício continuado.

Devo lembrar, finalmente, que a opção para negociar diferente do que fixa a lei é uma decisão voluntária. Para os que acham que vão amargar perdas insuportáveis, convém ficar com a proteção garantida pela lei e deixar a negociação coletiva para outra oportunidade.

José Pastore, é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras.