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Publicado no site Correio Brasiliense, 14/11/2012.

TST contra a negociação

José Pastore e Osmani Teixeira de Abreu

Trabalho não é commodity e, por isso, não pode ser sujeito apenas às leis de mercado como ocorre com os leilões de minérios, metais e cereais. O trabalho precisa ser regulamentado. Assim é em todas as nações.

A regulamentação é exercida por meio de leis e da livre negociação entre as partes. Na maioria dos países, as leis regulam os direitos fundamentais e a negociação cuida dos direitos complementares.

O Brasil tem uma situação peculiar. As leis trabalhistas descem a minúcias para regular o que normalmente é assegurado em contratos negociados, como é o caso do valor da hora extra e da hora noturna, as formas de gozar férias, licenças e afastamentos, o uso de horários de descanso e tantos outros detalhes.

Não bastasse o detalhismo das leis, há um cipoal de decisões jurisprudenciais, muitas vezes conflitantes, e com pouca base na realidade. Esse é o caso da enxurrada de súmulas que vêm sendo aprovadas pelo Tribunal Superior do Trabalho. Neste artigo, comentamos a de número 277, de 2012 que diz:

"As cláusulas normativas dos acordos e convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho".

Com isso, o TST condenou o país a conviver com cláusulas eternas que só podem ser revogadas por nova negociação. Tal medida dá a uma das partes o poder de impedir o exercício da vontade da outra. Além disso, a nova sumula contrariou a própria lei vigente, pois o art. 614 da Consolidação das Leis do Trabalho diz que a duração dos acordos e convenções não pode ser superior a dois anos.

A eternização das cláusulas é um golpe de morte na negociação coletiva. Sabendo que determinada concessão não poderá ser retirada ou modificada, as partes serão relutantes para firmar compromissos que no futuro podem condená-las. Isso vale tanto para cláusulas de natureza econômica como de natureza social. Como assegurar que o critério de participação nos lucros definido hoje, por exemplo, vai valer para daqui cinco anos?

A nova sumula criou novos problemas: as cláusulas dos acordos e convenções em vigor tornaram-se eternas? As partes sabiam que isso iria acontecer quando negociaram de boa fé?

Súmulas desse tipo conspiram contra a livre negociação entre as partes e vão na contramão da tendência mundial. Vejam a situação dos países do sul da Europa. Por força da crise do euro, Espanha, Portugal, Itália e Grécia estão tendo a necessidade de rever inúmeros direitos trabalhistas e previdenciários - é questão de sobrevivência. Uma parte das mudanças está sendo feita por lei e a outra por meio de negociações entre empregados e empregadores que a cada dia revêem esta ou aquela cláusula de contratos existentes como medida necessária à manutenção de postos de trabalho. A valer o principio da Sumula 277 do TST do Brasil, aqueles países estariam condenados ao colapso total, pois, na medida em que os sindicatos laborais recusassem negociar, os empregadores e o próprio governo ficariam eternamente engessados. Essa Súmula é um absurdo e não pode vingar. O TST precisa revê-la com urgência.

José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo e Osmani Teixeira de Abreu é advogado trabalhista.