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Palestra proferida no Seminário Sobre Evolução e Marco Regulatório - Valor Econômico, 06/12/2011.

Como disciplinar a terceirização no Brasil

Terceirização é o tema mais complexo do campo das relações do trabalho.

Por que é tão complexo? Quando uma atividade é realizada por várias empresas e diferentes pessoas e profissões é normal surgirem disparidades em termos de condições de trabalho, renda, benefícios e proteções específicas. Fica difícil estabelecer os limites de responsabilidade de cada parte. As áreas cinzentas são enormes.

Mas, nos dias atuais, sem a terceirização, muitos negócios se tornam inviáveis. Imaginem uma construtora que, em lugar de terceirizar a terraplanagem dos alicerces de um edifício residencial, fosse obrigada a comprar todo o maquinário - caríssimo - que seria usado uma vez a cada dois ou três anos. Quanto custaria um apartamento nesse prédio? Isso é impensável!

Admito haver muita precarização nesse campo. Todavia, trabalho precário existe tanto nas atividades terceirizadas como nas não terceirizadas. Quem não conhece médicos que têm três empregos e que trabalham de forma estafante? Lembremos que cerca de 50 milhões de brasileiros trabalham na informalidade e sem proteções trabalhistas e previdenciárias.

Terceirização é tema controvertido. Muitos são contra devido à precarização que certamente ocorre em muitos setores - mas não em todos. Para os juizes do trabalho são encaminhados apenas os casos pavorosos. Daí a sua antipatia pelo processo. Os casos de terceirização sadia não chegam a eles. Para os dirigentes sindicais a terceirização se apresenta como ameaça por fragmentar suas bases de arrecadação. Daí a sua resistência.

Mas, por ser complexa, a terceirização exige uma análise técnica e um disciplinamento realista. Este é o propósito desta apresentação.

As diferentes formas de terceirização

A terceirização é um processo complexo por se referir a uma grande variedade de arranjos.

1. Há contratos que entregam produtos. Outros entregam serviços. Há os que entregam produtos e serviços.

2. Existem atividades que são realizadas no local da empresa contratante. Outras são executadas no local da contratada ou à distância. Os ambientes de trabalho variam.

3. Há contratos em que uma contratada serve apenas uma contratante. Em outros casos, a mesma contratada serve várias contratantes.

4. Há situações em que as tarefas são executadas exclusivamente por funcionários da contratada. Há outras em que, por exigências técnicas, elas são realizadas em íntima parceria com os funcionários da contratante a ponto de não se distinguir quem é quem.

5. Os contratos podem envolver empregados por prazo indeterminado, por prazo determinado, em tempo parcial, em regime de trabalho temporário e até autônomos tanto do lado da contratante quanto do lado da contratada. A cada momento pode haver uma composição diferente, com gente que sai e gente que entra - um verdadeiro caleidoscópio.

6. Há contratos em que a profissão dos funcionários da contratada é diferente da profissão dos empregados da contratante. Há outros em que a profissão é a mesma, mas com nível de qualificação diferente. Buscam-se talentos especiais.

7. Há tarefas que se realizam de uma só vez. Outras são recorrentes, mas de curta duração. Há as que se estendem por longo prazo. Em um só contrato pode haver os três tipos de tarefas.

8. Há atividades que são executadas pela contratada durante a jornada normal da contratante. Há outras que só podem ser realizadas em horas atípicas e que exigem a presença de empregados da contratante.

9. Há contratos realizados entre empresas do mesmo setor e com integrantes das mesmas categorias profissionais. Outros envolvem setores e categorias diferentes, cada uma com sua convenção coletiva.

10. Há atividades em que a subordinação técnica da contratada em relação à contratante é mínima. Há outras em que a dependência técnica é tão grande que gera confusão com a subordinação jurídica.

Vê-se que a terceirização não se refere a uma realidade, mas a centenas de realidades. É impossível administrar os diferentes tipos contratos com uma só regra. Não há lei capaz de cobrir tamanha diversidade.

Há contratos em que todas as peculiaridades indicadas estão presentes. A Toyota no Japão, por exemplo, trabalha com cerca de 500 fornecedores fixos que, em seguida, dividem a tarefa com 3.000 empresas menores, sub-contratadas, e que se relacionam com quase 20.000 outras firmas de pequeno porte - todas elas engajadas na produção de bens e de serviços que redundam na montagem dos veículos da principal contratante, algumas no mesmo local, outras dispersas e muitas a longas distâncias. É um exemplo das modernas redes de produção.

Nos dias atuais, a concorrência não se dá entre empresas, mas sim entre redes. Quem tem a melhor rede, vence e, com isso, lucra, investe, paga impostos e gera empregos.

A proteção dos trabalhadores

Até aqui falei de contratos e de empresas. O fundamental, porém, é falarmos dos trabalhadores. Seja qual for a diversidade dos contratos, os trabalhadores têm de ser protegidos. Como fazer isso?

No meu entender, há dois tipos de proteção - as básicas e as complementares. Para a formulação das básicas, o caminho é a lei. Para as complementares, é a negociação até porque, repetindo, a lei não é capaz de cobrir a mencionada diversidade.

1. Proteções básicas - por lei

Dentre as proteções básicas, evidentemente, está o cumprimento rigoroso da legislação trabalhista e previdenciária. Além delas, estão a comprovação da reputação técnica e da capacitação dos empregados da contratada assim como a obrigatoriedade da contratante garantir ambientes adequados e seguros e livre acesso dos empregados das contratadas às instalações existentes nos campos da higiene, alimentação e atendimento ambulatorial.

Nesse sentido, tenho simpatia pelos PLs 4330 da Câmara dos Deputados e 87 do Senado Federal. No meu entender, esses projetos chegaram ao limite do que se pode regular por lei. Dali para frente, entra a negociação. Recentemente, houve um novo parecer sobre o PL 4.330, cujo relator é o Deputado Roberto Santiago) que pretendeu aperfeiçoar o próprio projeto, mas ainda deixou muitas lacunas inteiramente abertas como a falta de clareza de que a terceirização pode ser realizada em atividades meio e fim, desde que se garanta a proteção de todos os trabalhadores que participam do processo.

2. Proteções complementares - por negociação

No campo das proteções complementares já existem medidas importantes. As normas regulamentadoras no campo da saúde e da segurança (NRs), por exemplo, são definidas por meio de negociação na CTPP - Comissão Tripartite Paritária Permanente. Isso jamais poderia ser feito por uma lei geral.

Penso que deveríamos usar o mesmo método para fixar as normas complementares para a terceirização - as NCTs. As necessidades de proteção dos que prestam serviços terceirizados na construção civil são diferentes das dos que trabalham na nos bancos, na saúde ou no petróleo.

A fixação das NCTs exigirá certa organização. Penso que o Brasil deveria criar um Conselho Nacional para a Regulação da Terceirização por ramos de atividades. O Conselho poderia abrigar câmaras setoriais. Para mantê-las atualizadas, as normas deveriam ser revistas periodicamente, o que é difícil se fazer por lei. Esse Conselho analisaria casos concretos para encontrar soluções de proteção dos trabalhadores sem inviabilizar os negócios da empresa.

Essa é a modesta contribuição que posso oferecer a este debate. O Conselho poderia se inspirar nos poucos acordos e convenções existentes e nas muitas reclamações que estão acumuladas nos tribunais do trabalho. Mais tarde, o Conselho poderia se transformar em uma Comissão Permanente da Terceirização.

Conclusão

Nem a lei, nem as NCTs seriam impeditivas de se contratar qualquer tipo de serviço - meio ou fim. O que interessa é garantir a proteção dos trabalhadores.

No seu conjunto, as normas básicas e as complementares formariam nichos de proteção por ramos de atividade para se evitar o aviltamento das condições de trabalho nos processos de terceirização.

Nesse campo, não se pode pretender isonomia de salário, jornada, PLR e outros benefícios. Estes continuariam sendo negociados por categorias específicas e fixados nos instrumentos normativos existentes.

Em resumo, proponho que o trabalho terceirizado no Brasil seja regulado por lei e por negociação, e por ramos de atividades. Para se operar esse modelo, é imperioso aprovar com urgência um dos PLs mencionados, pois de nada adiantará discutir as proteções complementares sem garantir as proteções básicas.

Agradeço uma vez mais a oportunidade de estar neste Seminário.