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Publicado no site O Estado de S. Paulo, 19/07/2011.

Trabalho para ex-infratores

Cerca de 30 mil pessoas são liberadas anualmente dos presídios brasileiros. Trata-se de ex-infratores que cumpriram suas penas e que voltam ao nosso convívio. O que a sociedade pretende fazer com eles? Quem está disposto a lhes oferecer uma segunda chance?

Os problemas de reinserção de ex-detentos no mundo do trabalho são colossais. As empresas, de modo geral, resistem à ideia de empregá-los. Os cidadãos igualmente evitam o contato com quem tem passado criminal: há o medo de que os infratores voltem a delinquir.

Todavia, se ninguém lhes abrir uma porta de oportunidade, eles voltarão ao mundo do crime. É isso o que está ocorrendo. De cada 10 pessoas que saem dos presídios, 7 voltam ao crime. É uma reincidência absurda: 70%.

Para reduzir essa taxa, o primeiro passo é entender a importância de integrar essas pessoas no mundo do trabalho. O segundo é dispor de programas que atendam às necessidades de quem emprega e de quem precisa se empregar.

Do lado dos ex-presidiários, há muitos problemas a serem superados. Afinal, os presídios mais estragam do que recuperam. Poucos são os que têm a chance de estudar na prisão. Dos 500 mil presos existentes no Brasil, menos de 60 mil fazem cursos, sabendo-se que 25% são analfabetos e 50% frequentaram apenas as primeiras séries do ensino fundamental. O nível de qualificação é baixo. Poucos são, também, os que trabalham em empresas instaladas no interior dos presídios.

Para voltar ao mundo do trabalho, o "clique" da desistência do crime é fundamental. Nem todos chegam a ele. Há os casos dos delinquentes que fizeram do crime o seu meio de vida e que não estão convencidos de que o trabalho compensa. Para eles, trabalhar rende menos do que delinquir. Felizmente, eles são a minoria.

Mas não há como negar, o problema é complexo. A inserção de pessoas com envolvimento no crime no mercado de trabalho exige ações coordenadas com as empresas, os presídios, as entidades de ajuda aos presos, as famílias e os próprios infratores.

Apesar disso, há dados animadores. O Conselho Nacional de Justiça iniciou, em 2009, um belo trabalho com os tribunais e a sociedade. De lá para cá, já foram empregados cerca de 1.500 egressos.

Aos poucos, empresas e órgãos públicos começam a se abrir. As estatísticas não são precisas, mas há importantes resultados a comentar. Com a ajuda do Sesi, do Senai e da Federação das Indústrias de Minas Gerais, fala-se em mais de mil ex-infratores empregados por ano naquele Estado. Relatos do Espírito Santo e do Distrito Federal dão conta de ser crescente o número de empresas que empregam ex-presidiários. Em São Paulo, a Secretaria de Assuntos Penitenciários e a Secretaria de Relações do Trabalho estão acumulando números crescentes. Outros Estados já têm registros positivos.

Não há nada retumbante nos resultados alcançados. A jornada está só iniciando e não pode ser interrompida. A sociedade precisa começar a debater o assunto, por mais complexo que seja.

O emprego de ex-infratores exige cautela, é claro. O ajuste do trabalho à capacidade dos ex-detentos é crucial. A preparação das suas atitudes e condutas para o mundo do trabalho é tão importante quanto a capacitação profissional. O apoio da família e da religião tem-se mostrado como de superior relevância para os indivíduos desistirem do crime. A preparação dos chefes e dos futuros colegas de trabalho é indispensável.

Em suma, a sociedade, em geral, e as empresas, em particular, têm pela frente um grande desafio - bem maior do que a dificuldade de empregar portadores de deficiência. Nos dois casos, porém, o trabalho é o caminho mais adequado para garantir a sobrevivência e a reconstrução da dignidade das pessoas. Para mais sugestões, ver José Pastore, Trabalho para Ex-infratores, Editora Saraiva, São Paulo, 2011.