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Publicado em O Estado de S. Paulo, 15/02/2011.

Sindicatos e salários na china

Os salários na China vêm aumentando em ritmo meteórico. No setor industrial, o aumento médio em 2010 foi cerca de 9%. Em muitas cidades, o salário mínimo subiu 20%. Em vários setores há falta de mão de obra.

Na nova conjuntura, os trabalhadores estão se tornando mais exigentes. Os sindicatos começam a flexionar seus músculos. Será que a conjugação da falta de mão de obra com uma maior pressão sindical criará uma nova realidade salarial na China? Isso afetará a competitividade das empresas chinesas?

A máquina sindical da China é bastante complexa. No nível mais alto, está a Confederação Nacional dos Sindicatos Chineses, com mais de 200 milhões de filiados e que opera como uma simples correia de transmissão do governo central com o objetivo de levar avante os programas do Partido Comunista. Seus recursos são imensos, pois provêm de 2% da gigantesca folha salarial do país. Pela via da distribuição do numerário para entidades regionais e locais, a Confederação exerce forte controle da base sindical do país.

Mas, essa situação está mudando. As federações e os sindicatos regionais e locais começam a ganhar independência. A redução do número de empresas estatais e o aumento das privadas (ou mistas) estão estimulando os sindicatos a falar mais alto.

Mudanças expressivas estão ocorrendo nos sindicatos ligados às multinacionais. Foram eles que deflagraram as greves no setor automobilístico em 2010 e que forçaram as empresas a conceder aumentos salariais expressivos – em alguns casos (Honda) de até 30%.

Estaria ai a semente que vai minar a competitividade das empresas chinesas que sempre contaram com a vantagem do trabalho barato?

A pressão do mercado e dos sindicatos no campo salarial não deve ser superestimada por três razões. Em primeiro lugar porque, apesar dos expressivos aumentos, as diferenças entre os salários da China e o resto do mundo desenvolvido ou emergente continuam brutais. Um operário chinês ganha vinte vezes menos do que seu colega americano ou europeu e sete vezes menos do que o brasileiro. E as despesas de contratação para as empresas chinesas são reduzidíssimas. A previdência social ainda é um luxo e, na maioria dos casos, as empresas nada pagam nesse campo.

Em segundo lugar é bom considerar que, apesar dos movimentos recentes, a grande maioria dos sindicatos ainda vive em um sistema de cooptação. As empresas usam as entidades sindicais para levantar a moral dos trabalhadores e avançar nos programas de qualidade e produtividade. Muitas empresas apóiam os sindicatos com programas assistencialistas que agradam os operários e arrefecem os movimentos de reivindicação. Em muitos casos, os chefes fazem da diretoria dos sindicatos. A literatura cita exemplos em que o diretor financeiro da empresa é o presidente do sindicato (Mingwei Lu, "Union Organizing in China: Still a Monolithic Labor Movement?, Industrial and Labor Relations Review, outubro de 2010).

Em terceiro lugar, e mais importante, está o fato de que a produtividade do trabalho tem aumentado muito mais do que o salário na maioria das indústrias chinesas. Ou seja, apesar dos recentes aumentos, o custo unitário do trabalho está diminuindo e a competitividade está aumentando.

O que isso tem a ver com o Brasil? Ao lado de tudo isso, é inegável que o poder de compra da grande maioria dos chineses está aumentando rapidamente. Forma-se naquele gigante uma classe média colossal e que já é o maior mercado consumidor do mundo. Trata-se de uma excelente janela de oportunidade para os países que têm o que vender para a China.

No caso do Brasil as vantagens comparativas têm se limitado às exportações de commodities. Para avançar no campo das manufaturas temos de superar os conhecidos desafios da modernização da infra-estrutura, redução do custo Brasil e melhoria da produtividade do trabalho – um substancial salto na qualidade da educação.