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Publicado no site O Estado de S. Paulo, 06/07/2010.

Salários e competitividade na China

As pressões trabalhistas estão apertando. A China, que é campeã de acidentes do trabalho, acaba de aprovar uma lei que permite aos empregados levar os casos à Justiça. Estava na hora. A reforma trabalhista de 2008 definiu a arbitragem para resolver impasses o que instigou, no primeiro ano 700 mil ações, muitas a favor dos trabalhadores. A entrada recente de 40 mil empresas estrangeiras por ano transformou a oferta abundante de mão-de-obra qualificada em séria escassez. Tudo isso gerou muita pressão. Nos últimos cinco anos, os salários aumentaram 100% (!) em vários setores.

E a pressão continua. Passeatas, greves e até suicídios de trabalhadores forçaram inúmeras empresas multinacionais a aumentar os salários de 15% a 20% entre maio e junho de 2010. Há casos de 25% e até 30%. São aumentos colossais, pois a estimativa de inflação para este ano é de apenas 3%.

Ao contrário do que ocorria no passado, o governo atual fechou os olhos às manifestações operárias por estar interessado em estimular o consumo doméstico e reduzir a dependência chinesa das exportações de baixo preço. As autoridades das províncias concedem neste dias seguidos aumentos no salário mínimo. Os municípios industrializados (Shenzhen) elevaram o valor da hora extra para 300%.

Até que ponto essa disparada afetará a competitividade da China?

Os produtores industriais dizem que, nos últimos cinco anos, o peso dos salários na produção industrial passou de 2% para 12% enquanto o lucro líquido caiu de 15% para 8%. Muitas empresas estão planejando ou já se mudaram para o interior do país e também para a Índia, Vietnam, Malásia, Filipinas, Indonésia e Bangladesh onde os salários são mais baixos.

Alguns analistas não vêem razões para tanto pânico porque (1) as vantagens comparativas da China em infra-estrutura, impostos baixos, crédito fácil e cadeias de distribuição eficientes continuam enormes; (2) e os salários chineses continuam baixos. Os operários industriais trabalham jornadas esticadas e ganham o equivalente a US$ 400 ou US$ 500 mensais (e até menos) enquanto no Japão, Estados Unidos e União Européia, ganham mais de US$ 3,000. Gerentes e técnicos de alta especialização – raros e bem pagos – recebem cerca de US$ 2,500 por mês (média), quando no mundo desenvolvido ganham acima de US$ 5,000 mensais.

Tais comparações não acalmam as multinacionais. Elas estão de olho na Tailândia onde o salário médio de um operário industrial é US$ 280 mensais (média); na Índia, US$ 200; e no Vietnam, US$ 100.

Há que se reconhecer que a falta de mão-de-obra qualificada é preocupante. As empresas de maior conteúdo tecnológico não estão conseguindo reter os empregados qualificados mesmo com os grandes aumentos salariais. Para corrigir o desequilíbrio e atender a demanda, as escolas estão modificando currículos e intensificando o trabalho.

E no Brasil, vai acabar a pressão dos preços baixos dos produtos chineses?

Essa mudança, se ocorrer, vai demorar muito tempo. As diferenças de preços entre China e Brasil são brutais. No campo de máquinas e ferramentas, por exemplo, as empresas brasileiras têm de pagar o ferro fundido na base de US$ 3.00 o quilo. É quanto custa "um quilo de máquina pronta" feito na China e transportado por 18 mil quilômetros. Isso ocorre com tornos, guindastes, moinhos, equipamentos médicos e também com instrumentos musicais, tecido, material gráfico e outros. Os calçados chineses (que foram sobretaxados recentemente pelo Brasil) entram pela via de Taiwan, Vietnam e Malásia custando a metade do preço dos brasileiros (em média).

Em suma, apesar das mudanças no campo do trabalho, as vantagens comparativas da China devem perdurar por vários anos. Ademais, a alta velocidade dos avanços em infra-estrutura, logística, inovações e educação ali registrada – o que não ocorre no Brasil – deverá mitigar a elevação do custo do fator trabalho naquele país. Nossa luta será dura e prolongada.