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Publicado no site O Estado de S. Paulo, 11/05/2010.

Reforma trabalhista em ano eleitoral

Ano eleitoral é sempre tempo de muito ilusionismo. Promete-se tudo os que os eleitores querem ouvir. Não faltarão neste ano as clássicas propostas de reforma trabalhista.

Muito provavelmente o tema mais abordado será o da propalada desoneração da folha de pagamentos. De fato, as despesas de contratação no Brasil ultrapassam a casa dos 100% (tabela).

Tipos de Despesas

% sobre o Salário

Grupo A – Contribuições sociais

 

INSS

20,00

FGTS

8,00

Acidentes do Trabalho (média)

2,00

Salário Educação

2,50

SESI/SESC/SEST

1,50

SENAI/SENAC/SENAT

1,00

SEBRAE

0,60

INCRA

0,20

Subtotal A

35,80

Grupo B – Remuneração do tempo não trabalhado I

Repouso Semanal

18,91

Férias

9,45

Abono de Férias

3,64

Feriados

4,36

Aviso Prévio

1,32

Auxílio Enfermidade

0,55

Subtotal B

38,23

Grupo C – Remuneração do tempo não trabalhado II

13º Salário

10,91

Despesa de Rescisão Contratual

2,94

Subtotal C

13,85

Grupo D –Incidências cumulativas

 

Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B

13,68

Incidência do FGTS s/13º sal.

0,87

Subtotal D

14,55

TOTAL GERAL

102,43

Fonte: Constituição Federal e CLT.

Os que propõem a desoneração da folha têm pela frente um difícil desafio: o que cortar?

Observe o leitor que há quatro conjuntos de despesas. Concentrarei minha atenção neste artigo no Grupo A e seus reflexos.

As despesas desse Grupo sustentam importantes políticas públicas e que não podem ser descontinuadas. Os 20% para o INSS vão para as aposentadorias, pensões e assistência social. Os 8% do FGTS são cruciais para o financiamento de relevantes projetos sociais (habitação popular, saneamento básico, etc.). Os 2% do seguro de acidentes do trabalho (em média) são essenciais para proteger os trabalhadores nos casos de incapacidade e morte. Os 2,5%, 1,5%, 1% e 0,6% que vêm a seguir são destinados a entidades que mantém os serviços de formação do capital humano em um país tão carente de mão-de-obra qualificada. O INCRA, por sua vez, conta com os 0,2% para fazer a reforma agrária que é essencial e está atrasada.

Como se vê, o Brasil decidiu "pendurar" o financiamento de importantes programas sociais na folha de salários. Bem diferente foi a opção dos paises adiantados que sustentam tais programas, principalmente, com o imposto de renda.

Esclareço que o total das contribuições do Grupo A é maior do que os 35,8% indicados. Sim, porque além de fazer uma opção perversa, nossos governantes decidiram que todas essas contribuições incidiriam – como de fato incidem – sobre as despesas do Grupo B – o que gera gastos adicionais de 13,68%. O FGTS, por sua vez, incide sobre o 13o. salário gerando 0,87%. No total, essas incidências chegam a 14,55% que somadas aos 35,8 ultrapassam os 50%. Ou seja, a despesa direta e os reflexos representam mais da metade do salário.

Aqui está o ponto. Como todas essas despesas são importantes para os programas mencionados, qualquer desoneração terá de encontrar fontes substitutas à altura e com a segurança que é dada pela folha de salários. Do contrário, as entidades em tela ficarão sem recursos para levar adiante as suas responsabilidades.

Isso significa que uma reforma trabalhista que visa a urgente desoneração da folha de salários tem de ser feita no contexto de uma reforma tributária.

Como se vê, falar é fácil. Fazer é difícil. Mas é necessário. A opção feita pelo país onerou o que precisa ser desonerado – um dos mais importantes fatores da produção que é o trabalho.

Uma desoneração bem feita poderá proporcionar um saudável aumento dos salários o que é bom para os trabalhadores e para a economia. Vou ficar de olho para ver se os candidatos terão a coragem de propor uma reforma trabalhista junto com a tributária e, por que não dizer, com a previdenciária.

O leitor deve estar pensando: se é difícil fazer uma, o que dirá fazer três? Mas, se tudo está entrelaçado qual é a chance de fazer uma sem fazer as outras?