Publicado no site O Estado de S. Paulo, 02/02/2010.
PLR compulsória
A imprensa vem anunciando a existência de um estudo do governo federal que visa tornar compulsória a participação nos lucros ou resultados (PLR), o que obrigaria as empresas a distribuir aos empregados 5% do seu lucro líquido.
Essa obrigatoriedade aumentaria ainda mais as já elevadas despesas de contratação (encargos sociais) que hoje chegam a 102,43% do salário, com impactos negativos no custo de produção, na competitividade das empresas, nos seus investimentos e na geração de empregos. Tudo isso numa hora em que se fala em desonerar a folha de salários.
Há conseqüências ainda mais graves e que foram pouco salientadas pela imprensa. A proposta em tela despreza completamente a filosofia que orientou a criação da PLR. A medida foi incluída na Constituição de 1988 (art. 7º, XI) com o objetivo de levar empregados e empregadores a trabalharem juntos e em um ambiente de confiança e parceria. No art. 218, § 4º, a Constituição estimula a prática de sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
A Lei 10.101/2000, em vigor, definiu a PLR como um instrumento de integração entre o capital e o trabalho e um incentivo à produtividade. Além disso, estabeleceu que empregados e empregadores devem fixar, conjuntamente, metas a serem cumpridas e que servirão de base para a distribuição de lucros e resultados ligados ao trabalho.
Logo após a aprovação da Constituição de 1988, várias empresas começaram a conceder a referida participação sem uma explicitação clara das metas. Nos últimos anos, porém, empregados e empregadores têm definido metas objetivas de aumento de produção e de vendas, de elevação de qualidade, de redução de matéria prima, energia e vários outros insumos. Isso vem trazendo bons resultados para a (1) diminuição do custo de produção; (2) melhoria da competitividade; (3) elevação dos lucros; (4) expansão dos investimentos e (5) criação de novos e melhores empregos.
A livre negociação entre as partes tem permitido ajustes às especificidades das empresas e do quadros de pessoal, o que não se consegue fazer por meio de lei. Há casos em que a meta estabelecida é a economia de energia. Em outros, busca-se a melhoria da qualidade dos bens e serviços.
Mais. Em alguns acordos, os benefícios são diferenciados por grupos de empregados ou setores da empresa em função da sua importância estratégica no alcance das metas. Outros, ao contrário, estabelecem uma participação homogênea, a despeito de diferenças existentes.
Há ainda os casos que demandam o entendimento de detalhes importantes. Empresas intensivas em capital têm a maior parte dos seus lucros advinda da introdução de tecnologias sofisticadas, o que ocorre, por exemplo, no setor petroquímico. Como explicar por lei que a participação dos empregados se deve à sua contribuição especifica e não ao aperfeiçoamento tecnológico?
O inverso também existe. Empresas que são intensivas em mão de obra têm os avanços prioritariamente ligados ao bom desempenho dos seus colaboradores. Há acordos em que os benefícios aos empregados são atrelados à satisfação dos consumidores. E faz sentido, pois, cada vez mais, o sucesso das empresas depende da boa aceitação dos compradores de seus produtos.
Nenhum desses ajustes sobreviverá se uma nova lei vier a obrigar todas as empresas a distribuir lucros independentemente do desempenho dos seus empregados. Será um golpe letal na filosofia de integração e parceria que preside o dispositivo constitucional. O sistema perderá a adaptabilidade que hoje é garantida pela livre negociação.
Isso não é teoria. Dezenas de pesquisas têm mostrado que a PLR constitui um mecanismo eficiente de melhoria da produtividade das empresas e elevação da renda dos empregados, porque consegue transformar interesses divergentes em interesses convergentes. É bom lembrar que, nos tempos atuais, empresas e trabalhadores jamais vencerão a guerra externa (da concorrência) se praticarem a guerra interna (da confrontação).
Em suma. Esse estudo tem o potencial de causar sérios prejuízos às empresas, aos trabalhadores e às boas relações do trabalho. Não há razão para retroceder e aniquilar um mecanismo de entendimento que está dando certo. Como diria Max Plank, essa idéia é tão ruim que nem errada está. |