Publicado no siteO Estado de S. Paulo, 29/09/2009.
Insegurança jurídica na área trabalhista*
Todos os anos o Banco Mundial realiza uma pesquisa em 183 países sobre as condições para se fazer negócios. Os últimos resultados colocam o Brasil em 129º. lugar – o que nos deixa em má situação (Doing Business – 2010, Washington: The World Bank, 2009).
O índice utilizado se baseia em dados sobre as facilidades ou dificuldades para abrir, fechar e administrar empresas; obter crédito; registrar propriedades; cumprir contratos; e seguir regras tributárias e trabalhistas. É neste último item que o Brasil mais se complica, pois ocupamos o 138º. lugar.
Dois fatores pesam nessa má colocação: (1) as despesas de contratação; e (2) a insegurança jurídica.
As despesas para se contratar um trabalhador horista chegam a 102,43% do salário nominal. Um funcionário que ganha R$ 1.000,00 por mês, custa cera de R$ 2.020,00 para a empresa.
No campo jurídico, verifica-se que o modelo de relações de trabalho estimula o conflito, levando aos dois milhões de ações que tramitam na Justiça do Trabalho anualmente.
A insegurança decorre (1) da pobreza da negociação coletiva; (2) de leis em excesso e mal redigidas (3) de interpretações divergentes dos tribunais; (4) de abusos na execução de sentenças, com devastadoras penhoras on-line; (5) de intervenção excessiva de órgãos da fiscalização e do próprio Ministério Público, aplicando multas, desconsiderando contratos e relações entre pessoas jurídicas por mera presunção de fraude.
Até a Emenda 45, de 2004, que alterou a Constituição atribuindo à Justiça do Trabalho todos os conflitos decorrentes de relações de trabalho, é motivo de polêmica. Para alguns, a expressão "relação de trabalho" significa que os juízes trabalhistas podem julgar não apenas reclamações de empregados, mas também aquelas que envolvem honorários de médicos, dentistas e engenheiros, ou comissões de representantes comerciais, vendedores autônomos etc. Para outros, nada teria mudado, ou seja, A Justiças do Trabalho estaria restrita ao julgamento de ações de empregados e empregadores.
Isso significa que nem o Poder Judiciário sabe exatamente qual o foro adequado para resolver as múltiplas questões que ocorrem no mundo do trabalho.
Muito grave é a freqüente mudança de entendimento dos magistrados. Em muitos casos, suas decisões retroagem, criando enormes passivos trabalhistas. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal no ano 2000 acabou por exigir a criação de um adicional retroativo de 0,5% na alíquota do FGTS, bem como acréscimo de 10% na respectiva indenização, o que foi normatizado pela Lei Complementar 110 de 2001. Tais medidas criaram um passivo colossal para todas as empresas do Brasil.
É lamentável verificar ainda os inúmeros casos em que cláusulas negociadas livremente pelas partes em acordos ou convenções coletivas são questionadas e anuladas pelos juízes do trabalho, contrariando, muitas vezes, posturas mais liberais do Tribunal Superior do Trabalho. Juízes e procuradores partem da premissa de que são os mais indicados para saber o que é bom para os empregados e para os empregadores o que, evidentemente, desestimula a negociação.
Não bastasse isto, inexiste lei disciplinando as cada vez mais freqüentes greves de funcionários públicos; o processo de terceirização; e um tratamento trabalhista diferenciado e adequado para micro e pequenas empresas – para citar apenas três exemplos.
Na prática é impossível saber o custo real do trabalho em nosso país. A incerteza dos passivos é tão grave que muitos investidores chegam a dizer que, no Brasil, até o passado é imprevisível.
Se o nosso modelo fosse mais negocial, as regras estariam estabelecidas nos contratos coletivos e valeriam para orientar as ações de empregados e empregadores pelo tempo de sua vigência. Mas, como o nosso modelo é legalista, fica impossível fazer previsões com base em leis obscuras e sentenças que divergem umas das outras.
Tudo isso afeta os investimentos, o custo de produção e a competitividade das empresas. Não é à toa que ocupamos um dos piores lugares do mundo em matéria de cumprimento das regras trabalhistas. |