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Publicado no siteValor Econômico, 24/07/2007.

A reforma trabalhista na China

A China acaba de aprovar uma reforma trabalhista para entrar em vigor no dia 1º. de janeiro de 2008. A nova lei introduz procedimentos inexistentes e "maquia" inúmeros artigos da lei atual.

Dentre as novidades, destacam-se as seguintes: (1) reduz o período de experiência de 6 para 3 meses; (2) disciplina o uso de trabalhadores temporários, tornando-os por prazo indeterminado depois de repetidos períodos; e (3) cria algumas regras para a demissão, dentre elas, a que garante aos trabalhadores o direto de "consultar" a empresa sobre os motivos da despedida.

Há uma série de outros dispositivos, noticiados como novidades, que já fazem parte da lei em vigor, de 1995. Dentre eles destacam-se: (1) permissão para os empregados negociarem coletivamente os salários e benefícios com as empresas; (2) participação do sindicato nessas negociações; (3) aviso prévio; (4) forma de consulta para a demissão.

A "reforma" era necessária por duas razões. Primeiro, as províncias, que têm liberdade para isso, estavam criando normas trabalhistas diferentes e, dessa forma, dificultando a mobilidade de mão-de-obra. Segundo, a China precisava anunciar ao mundo sua disposição de civilizar as condições de trabalho.

A reação dos empresários foi a esperada. Os que estão fora da China aplaudiram por achar que isso vai melhorar a competitividade no resto do mundo. Os que estão na China lamentaram por considerar que isso vai encarecer a mão-de-obra e tirar a competitividade do país.

Penso que os dois exageram. A base salarial da China é tão baixa (US$ 0.64 por hora contra US$ 21.00 nos Estados Unidos e US$ 30.00 na Alemanha) que levará muito tempo para o trabalho abalar a competitividade chinesa no ocidente. Ademais, são determinantes da competitividade os baixos impostos e juros módicos, além dos subsídios e outras facilidades.

Internamente, resta saber se as mudanças serão respeitadas. A lei atual – que vigora a 12 anos - tem dispositivos de fazer inveja à maioria dos trabalhadores do mundo. Vejam estes exemplos:

Artigo 3º: os trabalhadores chineses têm o direito de escolher sua profissão, receberem treinamento e proteções da previdência social;

Artigo 7º.: os empregados têm o direito de organizar e participar de sindicato e este pode fazer a defesa dos seus interesses de acordo com a lei;

Artigo 15: é proibido o trabalho de menores de 16 anos;

Artigo 16: o trabalho é regulado pelos contratos firmados entre empregados e empregadores;

Artigo 26: a despedida deve ser precedida de um aviso prévio de 30 dias;

Artigo 27: a empresa tem de explicar ao sindicato e aos empregados as razões da demissão;

Artigo 28: a empresa tem de prover compensações aos demitidos de acordo com a orientação do governo;

Artigo 33: o sindicato pode firmar um contrato coletivo com a empresa, estabelecendo a remuneração, jornada de trabalho, descanso semanal, férias anuais, condições de saúde e segurança, seguros e previdência social;

Artigo 36: o governo estipulará que nenhum empregado trabalhe mais de 8 horas por dia e 44 horas por semana, em média;

Artigo 41: a prorrogação da jornada só pode ocorrer depois de uma consulta ao sindicato e aos empregados, e não pode exceder a uma hora por dia ou 36 horas por mês;

Artigo 44: a hora extra vale 150% da hora normal quando a extensão é negociada para os dias úteis, 200% nos dias de folga e 300% nos feriados nacionais;

Artigo 70: a previdência social ampara o trabalhador no desemprego, na doença, na velhice e na incapacidade causada pelo trabalho;

Artigo 73: depois da morte, os descendentes dos trabalhadores receberão um subsídio de acordo com a lei;

Artigo 75: o governo estimulará as empresas a fazerem uma previdência suplementar para seus empregados.

Quem tiver interesse em ver outros aspectos da beleza dessa lei, consulte o "Laws of the Prople´s Republic of China". Comprei esse livro na China, escrito em chinês e inglês, em dois volumes com 2.700 páginas, contendo centenas de leis, uma mais bonita do que a outra. O problema é que, até hoje, elas foram letras mortas. No campo trabalhista, elas não têm nada a ver com a realidade do mercado de trabalho chinês. Será diferente daqui para frente? Penso que vai levar muito tempo para isso acontecer.