Publicado no siteValor Econômico, 14/04/2006.
O que será do trabalho na Europa?
A Europa parece hoje uma grande casa de repouso. Ali temos, de um lado, um gigantesco número de pessoas idosas que pararam de trabalhar; de outro, as enormes massas pessoas que trabalham muito pouco – com jornadas curtíssimas.
Para os europeus, nada mais agradável do que continuar o estilo da "dolce vità". Mas a realidade é outra. A economia mundial está corroendo a competitividade européia. O crescimento econômico da UE15 (União Européia dos 15 países do lado ocidental) tem sido pífia (1,7% em média). E a fragilidade dos orçamentos públicos está inviabilizando a generosidade das aposentadorias, pensões e seguro-desemprego.
Na UE10 (União Européia dos 10 novos membros - República Checa, Hungria, Polônia, Eslovênia, Eslováquia, Lituânia, Letônia, Estônia, Chipre e Malta), os custos de produção são muito mais favoráveis do que os da UE15. Ali, os impostos são baixos; as jornadas de trabalho são longas; a motivação para o trabalho é altíssima; a qualidade da mão-de-obra é boa; e os salários são baixos. Na República Checa, por exemplo, os operários das montadoras de automóveis ganham US$ 6,20 por hora enquanto que na Alemanha recebem US$ 40,00.
Não é a toa que as empresas da UE15 se mudam para a UE10, em especial, para os países do ex-comunismo. A VW, a Ford e a Hyundai européias montaram várias fábricas na Eslováquia e República Checa. Neste país, a VW fabricará 600 mil veículos por ano em 2008. A Peugeout já produz 300 mil carros por ano em Kolin, na República Checa. Uma fábrica da Renault em Dacia, na Romênia apresenta excelentes resultados. O mesmo ocorre com sua fábrica em Pitesi, na Romênia, onde são produzidos 250 mil carros por ano. A FIAT fabrica 300 mil carros anualmente em Panda, na Polônia. Imaginem quando entrarem na União Européia a Ucrânia e Romênia que somam 150 milhões de habitantes que recebem salários que competem com a China e a Índia!
Se nada for mudado, em 10 ou 15 anos, a produção de automóveis na Europa estará extinta, com graves conseqüências para o emprego. As autoridades da UE15 têm consciência disso. Peter Mandelson, chefe de comércio da União Européia disse recentemente que a Europa está numa encruzilhada. Se as variadas formas de protecionismo não forem reduzidas, o continente estará fadado ao declínio econômico. Mas se as reformas estruturais forem aceleradas, a Europa tornar-se-á altamente competitiva nos mercados internacionais.
O que não pode continuar são as regras atuais que beneficiam os que têm emprego, em detrimento dos 18 milhões de desempregados crônicos. Há países em que a desocupação virou profissão a ponto dos desempregados franceses fazerem protestos de rua para reclamar contra o baixo valor do seguro-desemprego – que em muitos casos passa de US$ 1,000 por mês – e contra o trabalho dos jovens sob a lei do primeiro emprego!
As mudanças que se fazem necessárias são dolorosas e, por isso, tendem a ser evitadas por governos populistas. Como regra, eles buscam deixar as reformas para seus sucessores. Com isso, o problema se agrava.
Empregados e empregadores, entretanto, decidiram pôr a mão na massa e estão renegociando uma série de contratos de trabalho que visam aumentar a competitividade das empresas e garantir a sobrevivência dos empregos. Na Alemanha, França e Espanha, por exemplo, os contratos de trabalho estão sendo renegociados com vistas a (1) aumentar a jornada de trabalho pelo mesmo salário; (2) criar novos turnos de trabalho, inclusive aos sábados; (3) transformar a gratificação natalina que era fixa (como o 13º salário no Brasil) em um bônus variável, com base no desempenho das empresas, e com um teto de 45% de um salário mensal.
Mudanças desse tipo são verdadeiramente revolucionárias quando se considera o peso dos sindicatos de trabalhadores em toda a Europa, em especial, na Alemanha. Para aceitar uma ampliação de 5 minutos na jornada de trabalho, os dirigentes sindicais alemães criavam os maiores problemas. Em 2003, a Siemens, Bosch e Daimer-Chrysler renegociaram os contratos de modo a ampliar a jornada semanal de 5 horas, sem aumento de salário em troca da promessa daquelas empresas não transferirem suas fábricas para o leste europeu. Ou seja, a ameaça de desemprego em massa, levou os sindicatos a aceitar mudanças radicais.
Aqui há uma importante lição para o Brasil. Tais mudanças estão sendo possíveis porque os países da Europa não têm nenhum impedimento constitucional para negociar o que as partes acham de utilidade em momentos de dificuldade. Bem diferente é a nossa situação, onde a Constituição Federal permite negociar apenas dois direitos sociais – o salário e a participação nos lucros ou resultados. Tudo o mais é objeto de uma legislação rígida e não de negociação.
Embora os salários do Brasil sejam bem mais baixos do que a maioria dos países da UE15, o mesmo não se pode dizer em relação aos países da UE10. É dali que vem a concorrência mais forte para o Brasil, sem contar, é claro, a que vem da Ásia, em especial da China e da Índia.
Entre nós há a mesma dicotomia observada na UE15, com um agravante. Enquanto lá os excluídos são os 18 milhões de desempregados, no Brasil, eles encampam 9 milhões de desempregados e 48 milhões de pessoas – 57 milhões! - que trabalham no mercado informal, sem nenhuma proteção trabalhista ou previdenciária.
Isso explica em grande parte as péssimas condições sociais da maioria de nossa população, com fortes reflexos na violência, marginalidade e criminalidade.
Europa e Brasil têm razões diferentes para fazer as mesmas reformas – a trabalhista e a previdenciária. Sem elas, temos mais passado do que futuro.
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