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Publicado no siteO Estado de S. Paulo, 01/11/2005.

Cláusulas trabalhistas na China?

Trabalhadores e empresários levaram a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a pressionar a China por melhores condições de trabalho.

É claro que isso não é prova de amor aos chineses. Trata-se da busca de proteção contra a concorrência desenfreada da China em quase todos os setores da economia.

Para a OIT, "a China estaria incrementando suas exportações com base em trabalho semi-escravo de pessoas que trabalham sete dias por semana, ganhando menos de US$ 1.00 por dia" ("OIT pressiona a China a criar regras trabalhistas" O Estado de S. Paulo, 25/10/2005).

A idéia de se implantar cláusulas sociais nos acordos comerciais é antiga. Estados Unidos, França, Noruega, Canadá e outros países avançados tentaram várias vezes introduzir normas trabalhistas na Organização Mundial do Comércio (OMC), a aplicação de sanções comerciais aos infratores, inclusive, suspensão de importações. Essa tese nunca vingou. Os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, vêem essa tentativa como manobra protecionista.

A OIT está certa no diagnóstico. As diferenças das condições de trabalho entre a China e o mundo desenvolvido são imensas. Os trabalhadores industriais das grandes cidades chinesas ganham U$ 0.64 por hora enquanto que os operários das indústrias americanas ganham US$ 21.00. Levando em conta as diferenças de custo de vida, os US$ 0.64 compram US$ 2.96 nos Estados Unidos.

Mas e a terapêutica? Quanto tempo vai levar para a China aumentar os salários aos níveis dos Estados Unidos? Se por uma hipótese heróica e remota, aquele gigante viesse a pagar US$ 10.50 por hora, isso resolveria o problema dos trabalhadores e empresários americanos?

É certo que não. Além do alto salário hora, as grandes empresas americanas arcam com benefícios cujos custos se tornaram insuportáveis. A Delphi (auto-peças que faliu recentemente) têm programas de previdência privada no valor de US$ 8,5 bilhões. A General Motors gastou no ano passado cerca de US$ 5 bilhões em seguros médicos para os seus empregados. Alguns especialistas estimam que, em 2004, as despesas das 500 maiores empresas nessas áreas somaram cerca de US$ 1.4 trilhões, sendo que mais de US$ 450 bilhões ficaram a descoberto! ("Now for the reckoning", The Economist, 15/10/2005).

Enquanto isso, as empresas chinesas continuam pagando US$ 0.64 por hora e, mesmo assim, só para a elite dos operários industriais. A esmagadora maioria dos trabalhadores não conta com aposentadoria. Na China não existe o seguro desemprego. As jornadas são extensas e as férias são curtíssimas. As licenças são limitadas. Além do mais a pressão sindical por melhores condições de trabalho é fraca. Aliás, a China incentiva o fortalecimento dos sindicatos, mas só nas empresas multinacionais.

Não há dúvida de que, no longo prazo, as condições de trabalho entre China e os países desenvolvidos vão convergir. Mas quanto tempo vai levar? A unidade de tempo no Ocidente é o segundo; no Oriente é o milênio. A China deixou de ser uma ameaça. É um vulcão em erupção.

Ou seja, pouco se pode esperar no curto e médio prazos de cláusulas sociais que venham a forçar a elevação da remuneração e a melhoria das condições de trabalho na China.

A realidade é dura, mas precisa ser dita. Uma grande parte da referida convergência vai depender da reformulação da legislação e da contratação do trabalho nos países mais avançados. Esse quadro é tenebroso, pois subir na escala social é prazeroso, mas descer é doloroso.

Mas não há alternativa, e os primeiros passos no caminho das concessões já vêm sendo dados. A reformulação dos contratos de trabalho realizada entre o United Auto Workers (sindicato dos trabalhadores) e a General Motors vai permitir uma economia de US$ 5 bilhões com salários e benefícios no biênio 2005-2006. Foi uma negociação dura e o sindicato teve de ceder muito.

Na Europa, a ampliação da jornada de trabalho pelo mesmo salário, a transformação da gratificação de Natal em bônus de produtividade, o trabalho em turnos aos sábados, domingos e feriados marcam as recontratações dos dias atuais em várias empresas da Alemanha, França, Espanha e outros países. Tudo isso para manter as empresas no continente Europeu e evitar que elas migrem para a Ásia ou Europa do leste. Foi a forma encontrada para preservar os empregos e a renda. Essa é a revolução trabalhista que está permeando a União Européia. Aquele futuro impiedoso tornou-se parte do presente.