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Publicado em O Estado de S.Paulo, 28/04/2009.

Desafios à justiça do trabalho

"Sofri tanto quanto os trabalhadores ao dar o despacho no caso da Embraer, mas, como magistrado, não posso decidir contra a lei".

Vi essa frase publicada em vários jornais na semana que passou. Foi atribuída ao Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, eminente Ministro Moura França. Meditando sobre ela, pode-se sentir de perto os dilemas que vivem os juizes trabalhistas nestes dias de crise. Não invejo essa profissão. Os dilemas povoam uma grande parte das mentes dos nossos juízes.

No sofrimento daquele magistrado identifiquei a sua vontade de poder dispor de uma legislação mais moderna e que dê espaço para a busca de soluções mais amenas nos casos em que as empresas são obrigadas a dispensar seus empregados.

"Aí da sociedade cuja magistratura não saiba aquilatar os impactos econômicos e sociais das decisões judiciais", em especial nas horas de crise, disse um outro eminente magistrado do TST, o Ministro João Oreste Dalazen, em recente conferencia.

Mas, como fazer isso se a legislação impede? Ele mesmo responde ao dizer: "Vivemos um paradoxo: de um lado, contamos com uma Justiça do Trabalho que se moderniza e avança [especialmente no campo da informatização]; de outro lado, ironicamente, contamos com uma legislação trabalhista inadequada e anacrônica. Não podemos esmorecer [precisamos modernizar]".

Para enfrentar uma crise como a atual, a legislação teria de permitir o exercício da liberdade de empregados e empregadores na busca de atenuantes, sem empecilhos burocráticos e com a máxima agilidade.

Mas, têm havido inovações importantes no campo da Justiça do Trabalho. Esse foi o caso do julgamento de um processo que se arrastava desde 1998 e que se referia a um acordo acertado entre a Volkswagen e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A recessão era profunda. Não havia vendas. A VW, no caso, precisa dispensar 7,5 mil empregados. Todos entraram em greve.

Depois de uma longa e sofisticada negociação, as partes chegaram à conclusão que poderiam evitar a maior parte das dispensas mediante uma redução de jornada e de salário, o que foi feito.

Para compensar as perdas mensais, empregador e empregados, como o aval do sindicato, concordaram em dividir a participação nos lucros ou resultados em doze parcelas mensais. Isso atenuaria o problema, embora a lei exigisse um prazo mínimo de seis meses para distribuir lucros ou resultados. O acordo foi firmado e homologado. Resultado: a empresa cancelou as dispensas já realizadas e os empregados voltaram a trabalhar.

Anos depois, a empresa foi condenada na Justiça do Trabalho sob a alegação de que os pagamentos realizados eram, na realidade, parcelas salariais sobre as quais incidiriam encargos sociais com todos os reflexos – um passivo trabalhista colossal.

Numa decisão histórica, o TST, em 19 de março 2009, respeitou o acordo firmado entre as partes. O eminente Ministro Vantuil Abdala destacou a importância do acordo para a salvação de milhares de empregos numa hora em que não se via saída para as dispensas programadas.

O Ministro Dalazen, novamente, argumentou que entre a validade da negociação coletiva para efeito de PLR, ou a manutenção dos empregos, não há dúvida de que a primeira alternativa se impõe. E com isso, encerrou-se o caso, prestigiando-se a negociação e a vontade das partes. A prioridade foi concedida à preservação dos empregos. Afinal, o que há de mais prioritário do que isso?

Esses magistrados vêm dando um belo exemplo e sinalizando fortemente para que o Poder Legislativo modernize as nossas instituições do trabalho.

Muitos acham que a crise não é hora para mudanças. Mas, quando tudo vai bem, não se moderniza porque o céu é de brigadeiro. Ora, dessa forma, não mudaremos nunca.

Muitas e muitas decisões poderiam ser tomadas pelas partes e pela Justiça do Trabalho (no caso de impasses) estivesse a nossa legislação preparada para fazer ajustes negociados em tempos difíceis.

A crise atual é muito mais grave do que a de 1998. É claro que a solução definitiva é a volta da confiança e dos investimentos produtivos. Mas, as normas trabalhistas ganham destaque para atenuar a voracidade de uma avalanche que está longe de ser debelada.