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Publicado em O Estado de S.Paulo, 16/10/2007.

Os recursos das centrais sindicais

Tramita na Câmara dos Deputados, em regime de urgência, o Projeto de Lei 1.990/07 que reconhece a legitimidade das centrais sindicais para o exercício de fins específicos.

Os jornais, com raras exceções, interpretaram essa medida como o reconhecimento das centrais como entidades sindicais. Se assim fosse, seria necessário mudar o artigo 8º. da Constituição Federal que considera como entidades sindicais apenas as que compõem o sistema confederativo, ou seja, sindicatos, federações e confederações. No projeto em tela as centrais são definidas como entidades associativas de direito privado, sem prerrogativas sindicais.

Se aprovada, a lei vai permitir repassar às centrais sindicais 50% dos recursos da contribuição sindical dos trabalhadores que cabem ao Ministério do Trabalho. Essa é uma nova pretensão, pois as centrais sempre quiseram extinguir aquela contribuição, que tira, compulsoriamente, um dia de salário por ano dos trabalhadores.

Inúmeras emendas foram encaminhadas à Câmara dos Deputados. Mas há um aspecto que está a descoberto. Como será feita a prestação de contas de uma entidade que não é sindical?

A Constituição Federal em 1988 (art. 8º. Inciso I) estabelece que as entidades sindicais não têm de prestar contas ao Estado porque este não pode interferir na sua vida. Mais. O artigo 150, Inciso IV, letra "c", assegura imunidade tributária para as entidades sindicais dos trabalhadores.

Em vista disso, pergunto: (1) a isenção de prestar contas garantida às entidades sindicais valerá para as organizações não sindicais? (2) A imunidade tributária será aplicável a elas? (3) o Tribunal de Contas e demais órgãos de fiscalização e controle terão algum papel em relação ao uso daqueles recursos?

Deixo essas questões para os juristas. Essa não é minha praia. Mas, como estudioso dos temas do trabalho penso que os trabalhadores quererão conhecer a destinação daqueles recursos. Afinal, ninguém mais aceita as caixas pretas.

Os escândalos corporativos dos Estados Unidos e Europa (Enron, WorldCom, Qwest, Tyco, Xerox, Parmalat e outros) desencadearam uma onda de exigências dos aplicadores e cotistas das grandes empresas no mundo inteiro: Quanto ganham os CEOs? O que fazem? Quais são suas regalias? O mesmo ocorre no Brasil. Vejam o caso das ONGs. Há até CPI, e o governo decidiu apertar os controles para quem recebe dinheiro público.

Um especialista em sindicalismo acaba de publicar um livro ilustrativo sobre as demandas dos trabalhadores em relação às entidades sindicais para as quais contribuem. Dentre centenas de exemplos, um dos mais escandalosos é o da Presidente do Sindicato dos Professores de Washington, Barbara Bullock que, durante dois mandatos, gastou cerca de US$ 4,6 milhões em um cartão de crédito do sindicato em compras não autorizadas como roupas de grife, jóias sofisticadas, fretamento de jatinhos, viagens de primeira classe e estadia ao redor do mundo em hotéis luxuosíssimos (Robert Fitch, Solidarity for Sale: How corruption destroyed the labor movement, New York: Public Affairs, 2006).

Isso levou o governo americano a aperfeiçoar uma lei antiga, de 1959, a Labor-Management Reporting and Disclosure Act. Pelo novo sistema, as entidades sindicais são obrigadas a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais sobre o uso de recursos pagos pelos empregados. O governo não os analisa e nem os julga, mas atua como um intermediário, organizando as informações e colocando-as à disposição dos trabalhadores que, via Internet, e com senha própria, escarafuncham as contas das entidades sindicais e as dos seus dirigentes até o último centavo.

Se isso é exigível de uma entidade sindical, o que dizer de uma sociedade civil que não é entidade sindical, não representa os trabalhadores diretamente e que recebe recursos pagos por eles?

Não estou propondo copiar os expedientes do exterior e muito menos voltar às práticas do artigo 551 da CLT que obrigava as entidades sindicais a prestar contas ao Ministério do Trabalho, práticas revogadas pela Constituição de 1988. Levanto essas questões para abrir o debate e, eventualmente, acomodar a nova pretensão das centrais dentro da transparência que é a marca da sociedade moderna, aliás, defendida pelas próprias centrais.