Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/12/2008.
Flexibilização é palavrão
Na primeira conversa que tive com Jaques Wagner (2003), como Ministro do Trabalho, ele disse: "Neste governo, flexibilização é palavrão. Jamais será pronunciado".
De lá para cá, deparei-me com a imensa "licença poética" do Presidente Lula no uso de palavrões. Fiquei de olho. Mas, de fato, ele jamais usou o "abominável" vocábulo.
O que se busca com a flexibilização? Muito simples: dar liberdade para empregados e empregadores buscarem as melhores soluções para seus problemas.
Na rígida legislação atual, há apenas dois direitos que podem ser negociados livremente: o salário e a participação nos lucros ou resultados. Ai de quem ousar negociar outras coisas. As conseqüências são graves. Darei um exemplo no final do artigo.
Neste momento em que aumentam as dispensas, a única coisa permitida é reduzir o salário (Inciso VI do artigo 7º. da Constituição Federal). Até mesmo a suspensão do contrato de trabalho (artigo 476-A da CLT) é cercada por imposições.
Para acudir o desemprego que se aproxima, isso é muito pouco. A crise é grave. No setor da construção pesada, por exemplo, grande parte das obras atuais terminará em meados de 2009, e as empresas não estão conseguindo prospectar novos contratos. Mais. Várias obras em andamento, algumas do PAC, estão sendo suspensas. Os reflexos desses fatos virão com toda a força em 2009 e 2010.
Escolhi esse exemplo porque as obras de infra-estrutura têm uma altíssima capacidade de criar empregos diretos (na própria construção) e indiretos (para os fornecedores e para os usuários. Sim, porque, terminada uma usina elétrica, ela faz florescer um sem numero de atividades que sustentarão milhares de empregos por décadas a fio. O mesmo acontece com rodovias, ferrovias, portos, etc.
Outros setores industriais que também geram muitos empregos diretos e indiretos estão assustados com a queda abrupta da demanda, como é o caso dos minérios, metais, veículos e construção civil. Como são setores de cadeias longas, qualquer abalo na cabeceira provoca um reboliço ao longo do rio.
É claro que legislação trabalhista alguma consegue gerar empregos e inverter um desastre dessa magnitude. Mas, muitos postos de trabalho podem ser preservados se as partes tiverem liberdade para fazer ajustes com segurança jurídica. Evitar dispensa é um bom negócio para o empregado e para a empresa que economiza verbas rescisórias e fica com colaboradores treinados. Mas a nossa lei não dá essa liberdade. Aqui vai o exemplo prometido.
Em 1998, para evitar as dispensas em massa na Volkswagen empregados e empregadores concordaram em reduzir salários. Concordaram ainda com a liberação de parcelas da participação nos lucros e resultados, mensalmente para atenuar a perda de salário. Foi uma negociação brilhante, liderada pos dois dos melhores negociadores do Brasil, Luiz Marinho (sindicato) e Fernando Tadeu Perez (Volkswagen).
Ambos sabiam que a lei da PLR só permitia distribuir parcelas semestralmente. Mas era uma emergência. A aflição das famílias angustiava todos.
As partes decidiram usar o bom senso. Deu certo. As dispensas foram contidas. Luiz Marinho declarou algo assim: "O que fizemos é para o nosso bem [trabalhadores]. Concordamos em reduzir o salário e, para ajudar os trabalhadores, acertamos o pagamento da PLR todos os meses. Nenhum de nós vai reclamar nada sobre esse acordo. E, se alguém quiser anulá-lo, terá de passar por cima de nossos cadáveres", adicionou.
Foi um acordo histórico, marcado pela inteligência e pelo exercício da liberdade. Uma grande vitória para as duas partes.
Passados os anos, porém, os empregados começaram a reclamar e obter sentenças favoráveis da Justiça do Trabalho que incorporaram as parcelas mensais da PLR aos seus salários, aplicando-se sobre eles, todos os encargos sociais, com juros, correção e multa, desde 1998 até hoje - um prejuízo monumental para a empresa e uma frustração dos negociadores.
É isso que caracteriza uma legislação inflexível. Nada pode ser mudado. Mesmo quando as partes querem. Mesmo nas emergências. A CLT trata as partes como incapazes ou interditadas. Por isso, não permite que elas negociem o que acham melhor para si. Essa é a nossa tradição: querer resolver tudo por lei e não por negociação.
Para quem acredita nessa "filosofia", de fato, a flexibilização é um palavrão. |