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Publicado em O Estado de S. Paulo, 19/08/2008.

A caminho do simples trabalhista

A Câmara dos Deputados deu um importante passo para reduzir a informalidade dos que trabalham por conta própria ao aprovar o projeto de lei complementar no. 2 (PLP 2/07).

O projeto incluiu no Supersimples as empresas de pequeno porte de publicidade, assessoria de imprensa, reparos e manutenção, laboratórios de análises clinicas, corretagem de seguros, tradução, fisioterapia, decoração, paisagismo e outras.

Além disso, buscou facilitar a formalização dos chamados "microempreendedores individuais" que têm renda anual até R$ 36 mil: camelôs, vendedores ambulantes, pedreiros, feirantes, manicuras, costureiras, etc., isentando-os de impostos e contribuições pesadas. Para se formalizarem, esses trabalhadores pagarão apenas R$ 45,65 para o INSS; R$ 1,00 para o ICMS; e R$ 5,00 para o ISS.

É uma verdadeira pechincha. Tudo ficou mais simples. Não há necessidade de abrir firma ou fazer contabilidade. Para os vendedores, basta guardar as notas fiscais de compra dos produtos – o que é bom para combater o contrabando e a pirataria e evitar o achaque dos maus fiscais.

O projeto consagra o conceito de "proteção parcial" que é fundamental para se reduzir a informalidade. Como R$ 45,65 são insuficientes para uma cobertura previdenciária completa, tais contribuintes terão direito à aposentadoria por idade e invalidez, mas não por tempo de contribuição. Isso é realista. Se as condições não permitem garantir uma proteção total – que custa às empresas 103% do salário – o PLP 2 garante uma aposentadoria limitada e os demais benefícios previdenciários: pensão, salário-maternidade, auxílio-acidente, afastamentos remunerados, etc.

O projeto tem ainda a virtude da portabilidade das proteções. Hoje, elas estão atreladas ao emprego. Por exemplo, só tem direto ao seguro desemprego, que foi empregado formalmente. Com a nova sistemática, as pessoas que passarem da condição de conta própria para de empregado – ou vive versa – carregará consigo a proteção adquirida. Mesmo como conta própria, se quiser se aposentar por tempo de contribuição, é só pagar a diferença ao INSS, gradualmente.

A economista Priscilla Flori da Confederação Nacional da Indústria fez algumas simulações sobre o impacto dessa medida na formalização e nas contas do INSS.

Num cenário otimista no qual todos os informais que trabalham por conta própria – cerca de 16 milhões - aderissem à nova sistemática imediatamente, o INSS teria um adicional de arrecadação da ordem de R$ 9 bilhões por ano, podendo reduzir 25% do atual déficit de R$ 40 bilhões.

Num cenário realista, que supõe a adesão gradual dos que ganham entre R$ 550 e R$ 3 mil mensais, a arrecadação adicional chegaria a R$ 3 bilhões ao ano. Em pouco tempo a informalidade poderia ser reduzida pela metade. Ótimo!

O projeto aprovado tem um grande potencial de proteger os trabalhadores e equilibrar as contas do INSS. A aprovação foi praticamente unânime com só um voto contrário. A peça segue para o Senado Federal. Apresento duas sugestões.

1. Convém introduzir algum tipo de estímulo para se obter grande adesão ao novo sistema. Isso poderia ser conseguido com a aprovação do cartão único de identificação (eletrônico) contendo dados do RG, da Receita Federal, do trabalho, da Previdência Social e do Registro Eleitoral. Seria uma espécie de "cartão da cidadania", sem o qual ninguém conseguiria fazer qualquer tipo de transação. A retirada desse cartão exigiria a filiação à Previdência Social como empregado, empregador ou microemprendedor (com exceção dos desempregados, reclusos e indigentes). Garantir-se-ia, assim, uma grande filiação previdenciária e uma vasta gama de proteções sociais.

2. É importante evitar o excesso de burocracia que ainda persiste em partes do projeto. Por exemplo, a idéia de guardar as notas fiscais é boa, mas achar que um camelô terá tudo à mão para mostrar ao fisco é irrealista. Convém investir na simplificação desse expediente.

Tendo equacionado o problema dos que trabalham por conta própria, os deputados abriram caminho para se chagar ao simples trabalhista para os que trabalham como empregados das pequenas e microempresas, o que pode elevar ainda mais o nível de formalização. Foi a melhor notícia do ano na área trabalhista.