Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/06/2008.
O futuro do trabalho na Europa
Como a União Européia Comunidade não conseguiu unanimidade para aprovar uma Constituição única para os 27 estados membros – houve votos contrários da França e da Holanda, tentou-se agora – novamente sem sucesso – a aprovação do Tratado de Lisboa para organizar o governo de toda a Comunidade. A Irlanda votou contra.
Isso reacende as discussões sobre o futuro da Comunidade e do estilo de vida de seus cidadãos, em especial, dos primeiros países que se juntaram à União Européia. A considerar as condições de trabalho, de remuneração e de proteção social, França, Alemanha, Itália, Bélgica e os demais paises que fazem parte dos pioneiros da Comunidade, os europeus dão um banho de bem estar nos americanos.
As condições de trabalho nos Estados Unidos passam por séria crise. Isso não é de hoje e nem reflexo da recessão que assola o país. Há mais de trinta anos que o salário real médios dos americanos vem caindo. O problema se agravou com o aumento da competição da China, Índia e sudeste asiático. Para se manter competitivas – e muitas não o conseguiram – as empresas americanas apertaram os trabalhadores, reduzindo não só o salário como também os benefícios atrelados ao emprego, em especial, os planos de saúde e previdência privada.
Em relação a 1980, o salário real médio despencou 15% na década de 90, voltando a subir ligeiramente só no início dos anos 2000. Não só os benefícios diminuíram como uma boa parte dos empregos foi embora devido à contratação de serviços em outros países.
Enquanto isso, ao pioneiros da União Européia continuaram mantendo não apenas salários mais altos e benefícios mais generosos como também condições de trabalho mais folgadas com jornadas mais curtas, licenças mais longas e proteções previdenciárias mais amplas do que as dos americanos.
Até quando esse estilo de vida vai durar? Essa é a pergunta que todos fazem.
Com a entrada de doze novos membros a partir de 2004 os pioneiros da União Européia passaram a sofrer a concorrência dos recém chegados, em especial os do leste europeu. Para muitos seria errôneo falar-se em concorrência porque o propósito da ampliação da Comunidade foi exatamente o de facilitar uma nova divisão do trabalho entre os países. De qualquer forma, os salários mais baixos e os benefícios mais curtos do leste europeu acabaram atraindo muitas empresas de pequenas comunidades da Europa Ocidental que viram os empregos e os impostos secarem.
A despeito disso, ter um filho, ficar desempregado ou aposentar-se na França, Itália, Alemanha ou Bélgica é bem mais confortável do que nos Estados Unidos.
Mas, será que tais proteções poderão ser garantidas indefinidamente? Teriam os europeus descoberto um sistema milagroso?
Nada disso. As preocupações nesse campo aumentam a cada dia. Os desafios já instalados nos veteranos da União Européia não estão encontrando respostas. Há uma conjugação de fatores perversos para serem mantidos por muito mais tempo. De um lado, a população envelhece a passos largos. De outro, a própria população rejeita os imigrantes. Os imigrantes ilegais reclamam tratamento isonômico aos nativos, o que pressiona ainda mais as despesas dos Estados. O clima de desconfiança entre nativos e não nativos fica cada vez mais tenso. Os movimentos sociais se tornam violentos. E os políticos não sabem o que fazer. Como manter o dispendioso modelo europeu em países onde a força de trabalho se reduz e que não têm a menor tolerância para aceitar os imigrantes. Ao contrário, eles são vistos como ameaças aos que ainda estão trabalhando. Isso repercute na opinião publica e inibe os governos de reformar o seguro desemprego, a previdência social e as licenças generosas.
A chamada bomba relógio demográfica está por explodir. A natalidade cai, a longevidade aumenta e a migração é estancada. É uma equação que não fecha para se perpetuar as condições atuais. É isso que leva os especialistas a estimar um alarmante declínio no crescimento econômico dos 2,3% atuais para 1,8% em 2010 e 1,3% em 2030.
Enquanto isso, os burocratas de Bruxelas se põem a escrever minutas de tratados e uma montanha de regulações que visam garantir por decreto a permanência das condições atuais.
Tudo indica que o estilo de vida europeu sofrerá modificações forçadas nos próximos anos. A população resiste é claro. Ninguém gosta de reformas que deprime e muito menos se estas vêm com a marca do modelo americano. Mas, em quanto a concorrência sem mantiver agressiva por parte da China, Índia e demais emergentes, não se tem outra coisa a fazer senão renegociar as condições de trabalho como, aliás, já começa a ser feito na Alemanha. No campo do ajuste, a Alemanha está saindo na frente e o país que durante muito tempo foi a locomotiva da Europa pode se consolidar como a locomotiva da União Européia. |