Publicado em O Estado de S. Paulo, 19/02/2008.
Dispensas justificadas
O Presidente Lula pretende pôr um fim no atual sistema que dá liberdade aos empregadores demitirem empregados sem justa causa. Ele deseja limitar demissões às situações em que empresa enfrenta dificuldade econômica ou passa por profunda mudança tecnológica ou ainda quando o empregado revela não ter condições para exercer suas funções. Para tanto, deseja que o Congresso Nacional ratifique a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho. A proposta tem o nobre propósito de proteger os empregados.
Nos países que retificaram a Convenção 158, o sistema funciona resumidamente assim: Para desligar um empregado, a empresa tem de explicar por escrito os motivos do desligamento. O empregado tem o direito de contestar os motivos, contando, inclusive com a ajuda do seu sindicato. Empresa, empregado e dirigentes sindicais entram em negociação. Havendo acordo, o desligamento é efetivado. Havendo impasse, o caso vai para a Justiça. Quando o juiz se convence dos motivos alegados, o empregado é desligado. Caso contrário, o empregado continua no quadro da empresa. Se esteve afastado sem receber salários e demais benefícios, ele é reintegrado e recebe todos os atrasados. Em suma, a demissão passa a ser um processo negociado que demora de seis a 12 meses para ser concluído.
Como avaliar esse sistema? Com base nas pesquisas existentes(*), chega-se às seguintes conclusões:
1. O sistema cria rotinas burocráticas de grande complexidade, prolonga o prazo para desligar um empregado, aumenta os custos da demissão e desemboca, freqüentemente, em conflito cuja solução depende da interpretação subjetiva dos juizes.
2. As empresas ficam relutantes em empregar, pois não sabem quanto demorará e quanto custará uma demissão. Ou seja, não abrem vagas. É uma péssima notícia para os desempregados, em especial, para os jovens cuja taxa de desemprego no Brasil ultrapassa a casa dos 20%.
3. Ao aumentar o desemprego por prazos prolongados, o sistema faz crescer as despesas do governo com o seguro desemprego o que, por sua vez, reduz os investimentos em infra-estrutura, educação, saúde, segurança e previdência que geram muitos empregos.
4. Tanto pelo desestimulo ao setor privado como pelo enfraquecimento dos investimentos públicos, a economia como um todo reduz sua capacidade de criar novos postos de trabalho. Os países que adotam critérios complexos para desligar empregados têm taxas mais altas de desemprego do que os que adotam critérios mais simples.
5. Finalmente, o sistema faz crescer o numero de ações trabalhistas. Nesse campo, cria sérios problemas para as empresas que têm de demonstrar nos tribunais que sua situação econômica é critica. É tudo o que seus concorrentes desejam.
Por tudo isso, essa Convenção recebeu pouca adesão das 180 nações que compõem a OIT. Apenas 34 ratificaram-na, na maioria, pouco desenvolvidas como, por exemplo, Camarão, República do Congo, Etiópia, Gabão, Iêmen, Lesoto, Maluí, Macedônia, Marrocos, Moldava, Montenegro, Namíbia, Nigéria, Papua Nova Guiné, Republica Centroafricana, Santa Lúcia, Sérvia, Ucrânia, Uganda, Venezuela e Zâmbia. Entre os países mais desenvolvidos destacam-se apenas a Espanha, Finlândia, França, Portugal e Suécia que, aliás, precisaram criar novas formas de contratos para contornar a rigidez da Convenção 158.
Para proteger os empregados desligados das empresas, o Brasil criou uma espécie de sistema de seguro, composto de quatro elementos, todos eles ancorados na Constituição Federal. Os empregados desligados recebem um aviso prévio de 30 dias para procurar outro emprego, ganham 40% dos depósitos do FGTS como indenização, levantam os seus recursos do FGTS e desfrutam do seguro-desemprego por até cinco meses. Trata-se de um sistema que vem sendo adotado em vários países por ser mais simples e menos conflitivo.
A proposta é complexa. É inconstitucional. E pode dar resultados opostos aos pretendidos. Voltarei ao tema quando o Congresso Nacional começar a discutir a matéria. Desde já adianto a minha posição. É preciso ser realista: não é possível "segurar" uma pessoa empregada por força de lei. Isso depende da economia, do mercado de trabalho e da capacitação profissional.
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