Artigos 

Publicado no Valor econômico, 19/12/2005.

Reforma Trabalhista – por quê tanta resistência?

Por quê o talento dos economistas conseguiu construir domar a inflação e não conseguiu fazer o país se desenvolver? Esse dilema é antigo e, nestes dias, ocupa o centro das discussões sobre o destino do Brasil. Enquanto a maioria dos países emergentes cresce 6% ao ano, em média, nós temos de amargar um anêmico 2,5% dentro de uma economia mundial aquecida e de mercados internacionais compradores.

Na raiz do problema está o excesso de gastos do governo. E, dentre os maiores gastos, estão as despesas com a Previdência Social. A reforma realizada em 2003 foi insuficiente para equilibrar o sistema previdenciário.

Os motivos do desequilíbrio são vários. Mas, o principal, é a espantosa informalidade que domina o mercado de trabalho. Dos 80 milhões de brasileiros que trabalham, apenas 32 milhões contribuem para a Previdência Social. Cerca de 48 milhões não têm vínculo previdenciário. As despesas da Previdência Social têm de ser bancadas por 40% de contribuintes para manter serviços para 100% dos brasileiros. Sim porque inúmeros benefícios são universais e se destinam a contribuintes e não-contribuintes como é o caso das aposentadorias e pensões dos idosos carentes, dos trabalhadores rurais que nunca contribuíram, dos portadores de deficiência e tantos outros.

Por quê há tanta informalidade no Brasil? Alguns atribuem isso à fraca fiscalização dos órgãos públicos. Não há dúvida que uma boa fiscalização ajuda a formalizar: é só observar os resultados da ação dos fiscais no governo Lula. O próprio Ministério do Trabalho atribui à essa ação a formalização de mais de 40% dos "novos" empregos registrados no CAGED (Cadastro Geral de Emprego e Desemprego). Isso significa que, das 1,5 milhão dos "novos" empregos lançados anualmente no CAGED, cerca de 600 mil não são empregos novos mas sim empregos existentes que foram formalizados por ação dos fiscais.

Isso não deixa de ser um bom resultado, pois, afinal, esses empregados passaram a ter as proteções que não tinham. Mas não podemos nos iludir. Muitos empregadores que formalizam seus empregados hoje, por ação da fiscalização, os despedem amanhã para contratar outros como informais.

A fiscalização tem seus limites e não pode dar conta de formalizar 48 milhões de trabalhadores. É preciso remover os fatores que instigam a informalidade. Dentre eles, está a excessiva carga de despesas de contratação e descontratação – que chegam a 103,46% do salário – e o alto custo da obediência gerado pela incrível burocracia imposta aos que vivem na legalidade.

A reforma trabalhista, sempre adiada, surge como uma necessidade imprescindível. O Brasil não pode continuar com uma lei tamanho único para todos os tipos de empresas. Se, de um lado uma montadora de automóveis pode pagar as despesas de 103,46% (embora isso passe para o preço), de outro, um salão de barbeiro não tem a menor condição de enfrentar a burocracia e gastar mais de R$ 800 para contratar um oficial com um salário de R$ 400.

Ocorre que cerca de 95% das unidades produtivas do Brasil são micro e pequenas empresas que empregam mais de 50% da força de trabalho. É aí que mais incide a informalidade. Esse segmento é o candidato número de uma boa reforma. Precisamos criar um "Simples Trabalhista", a exemplo do Simples Tributário, que conseguiu formalizar mais de 3 milhões de trabalhadores nos primeiros 3 anos de existência (1997-99). O Brasil não pode continuar com uma legislação trabalhista engessada e única para uma realidade tão diferenciada.

Quando se considera que a empresa brasileira gasta mais de um salário por ano a título de FGTS, paga um abono de férias que corresponde a um terço do salário, e indeniza o trabalhador desligado com 40% do seu saldo do FGTS, o Brasil é o país com o mais alto custo de descontratação em todo o mundo. São poucos os microempresários que podem enfrentar tais despesas. Na verdade, eles têm medo de empregar formalmente.

Além disso, por força da lei que obriga a estender a todas as empresas as cláusulas das convenções coletivas, a maioria dos microempresários têm de pagar horas extras que, muitas vezes, ultrapassam a 100% da hora normal por terem sido negociadas no topo da categoria econômica onde estão as grandes empresas e os sindicatos mais atuantes. Da mesma forma, estende-se para os microempresários o valor do piso salarial pago pelas empresas de grade porte, assim como o valor dos inúmeros adicionais que são negociados nas convenções coletivas. Isso é irrealista. Se a realidade não consegue se ajustar à lei, é preciso mudar essa lei.

A simplificação da burocracia e o alívio das despesas de contratação e descontratação seriam importantes estímulos para a formalização do emprego. Com mais contribuintes, reduzir-se-ia o déficit das Previdência Social que, em 2005, chegará a R$ 39 bilhões só no INSS. Com menos déficit, haveria menos necessidade do governo recorrer ao mercado financeiro ou lançar mão dos recursos do superávit fiscal para tapar o buraco da Previdência Social. Com isso teríamos juros mais baixos e recursos disponíveis para investimento, o que, por sua vez, estimularia a criação de empregos formais em grande escala.

Como se vê, a reforma trabalhista, ao contribuir para a redução da informalidade, contribui decisivamente para equilibrar as finanças públicas e para gerar empregos de melhor qualidade.

Infelizmente, o governo atual não tem a menor sensibilidade para essa reforma. E dá para entender. Ele é dominado pelas centrais sindicais que militam junto às grandes empresas dos setores modernos (química, petroquímica, metalúrgico, bancos, etc.) onde fazem a defesa das proteções dos que já estão protegidos – os incluídos. Os excluídos – os trabalhadores desempregados e informais, que são a maioria dos brasileiros, não fazem parte de seu departamento. E, se nada for feito, continuarão sem a menor proteção social, arrombando cada vez mais a maior fonte do déficit público, o da Previdência Social.

Num certo sentido, os excluídos precisam continuar excluídos, pois é entre eles que os políticos inescrupulosos buscam seus votos em troca de promessas de inclusão que nunca se concretizam. É o preço da demagogia e do populismo.