Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/01/2006.
China dobra força de trabalho mundial
A participação acelerada e crescente da China na economia internacional trouxe duas importantes mudanças para o mundo ocidental. A primeira no campo do trabalho. A Segunda no campo da inflação.
O salário médio mensal nas boas indústrias da China é de US$ 100. É uma diferença brutal em relação ao mundo ocidental. Nas indústrias médias e pequenas, isso cai para US$ 80, US$ 70 e até US$ 60. O custo da produção é beneficiado com esses salários, sem contar as outras benésses que são usufruídas pelos produtores chineses (juros baixos, tributos razoáveis, subsídios de vários tipos, empréstimos não honrados, etc.).
Ao se transformar em um grande produtor e exportador de produtos eletrônicos, máquinas, equipamentos, tecidos, confecções, calçados, etc. com base em um custo do trabalho irrisório, a China provocou um efeito indireto de expansão da oferta da mão-de-obra mundial.
É isso mesmo. Ao consumir os produtos chineses em grande escala - em lugar de produzi-los domesticamente, os países do mundo estão comprando bens produzidos por uma força de trabalho crescentemente qualificada e de baixíssimo custo. barata.
A população rural da China está estável em 800 milhões de pessoas. A urbana, de 500 milhões, cresce a mais de 4% ao ano. É aí que estão as indústrias que absorvem cerca de 300 milhões de pessoas que trabalham 10 horas por dia durante seis ou sete dias por semana. Com a intensificação da educação básica e treinamentos específicos (a matricula no ensino médio cresceu 4 vezes entre 1998-2003), a mão-de-obra industrial da China vem elevando a produtividade de forma substancial.
Em resumo, o mundo ganhou, na prática, um contingente de trabalhadores industriais da ordem de 300 milhões de pessoas que recebem menos de um décimo do que ganham, em média, os seus similares ocidentais. Foi uma espetacular ampliação da oferta de trabalho barato.
Ao lado disso, a China está contribuindo para baixar os preços dos bens vendidos no mundo inteiro. Isso tem ajudado a manter a inflação em patamares irrisórios na maior parte do Ocidente. Apesar de aumentos recentes, as taxas de juros praticadas no mercado internacional permanecem muito baixas (exceto Brasil), o que reforça a queda da inflação.
Se considerarmos que a Índia e as repúblicas da ex-União Soviética também produzem com salários baixos e benefícios reduzidos, estima-se que, nos últimos dez anos, a força de trabalho mundial dobrou.
Dentro desse novo quadro de oferta, os trabalhadores dos demais países enfrentam hoje uma condição de difícil competição. Seus colegas da China, Índia e ex-União Soviética estão dispostos a trabalhar por remuneração e benefícios bem inferiores aos por eles pleiteados.
Esse exercito de trabalhadores dispostos a ganhar menos tornam a vida dos dirigentes sindicais ocidentais extremamente penosa na hora de negociar salários e benefícios. Ou seja, a sua renda passou a ser fixada por Beijing, Nova Deli, Moscou e várias cidades industriais da Europa do leste tais como Gliwice (Polônia), Kolin (República Checa), Zilina e Trnava (Eslováquia).
Esta é a nova ordem mundial no campo do trabalho humano. De certa maneira, o barateamento do fator trabalho acabou gerando maiores ganhos para o capital e provocando desemprego entre trabalhadores cujos sindicatos exigem remuneração muito acima daqueles países.
No caso do Brasil, o achatamento salarial dos ultimos anos carrega internamente a interferência do referido exército, à qual se soma as despesas excessivas na contratação impostas pela inegociável e imutável legislação trabalhista.
Por isso, o tratamento da questão do trabalho no Brasil já não comporta mais a tomada de medidas isoladas. Nosso país não está separado do mundo. Ao contrário, está bem inserido em um quadro no qual a oferta mundial de mão-de-obra de boa qualidade e de baixos salários, infelizmente, aumentou de forma surpreendente e em um período relativamente curto. Isso exige uma rápida reformulação das leis vigentes e uma intensificação da formação profissional para que, através dessas duas medidas, a mão-de-obra do Brasil possa se tornar competitiva e produtiva em níveis mundiais. Do contrário corremos o risco de aumentar o desemprego e a informalidade e baixar ainda mais os salários.
|