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Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/06/2005.

A pressão trabalhista que vem da China

A China já não é mais uma ameaça – é um competidor imbatível. A penetração dos produtos chineses a baixo preço e qualidade crescente provoca desemprego nos países que não agüentam competir. Medidas protecionistas começam a ser tomadas para deter a avalanche das exportações de tecidos, confecções, calçados, eletrônicos e vários outros itens de consumo de massa vendidos pela China a "preço de banana".

Será que isso vai dar certo? Afinal, são muitas frentes a serem atacadas, incluindo-se a exigência de respeito aos direitos humanos, à propriedade intelectual e às regras anti-dumping. Nada disso, porém, será resolvido no curto prazo. O caminho das negociações na Organização Mundial do Comércio é sempre demorado e permitirá à China ganhar um bom tempo. Alternativamente, os países importadores poderão adotar sistemas de cotas crescentes e penalizações tarifárias. Este caminho provoca a ira dos consumidores que não aceitam pagar mais caro o que pode ser comprado por preço menor.

Mesmo que tudo isso dê certo, sobrarão os desníveis do mercado de trabalho. Os salários praticados nas cidades industriais da China equivalem a US$ 0.64 por hora. A diferença em relação a outros países é fenomenal. No Japão, o salário médio industrial é de US$ 18.00 por hora. Nos Estados Unidos, US$ 21.00. E na União Européia, é de US$ 25.00. Além disso, o trabalho na China está praticamente livre de encargos sociais; as jornadas são de seis dias por semana; as férias são curtas; não há abono de férias e nem 13º. salário ou seguro desemprego. São diferenças dramáticas.

O mais impressionante é que os jovens que trabalham nas indústrias chinesas, cuja maioria veio do campo, estão satisfeitíssimos com as atuais condições. A cada dois anos eles voltam ao interior para visitar a família levando na sua bagagem uma jaqueta de estilo, calças jeans de boa qualidade, sapatos bonitos, aparelhos de rádio, TV e até DVD, vidros de xampu, sabonetes e uma poupança equivalente a US$ 120.00 ou US$ 150.00 que é um dinheiro fenomenal quando comparado com a renda de seus pais que é de US$ 40.00 por ano! Com freqüência, os jovens levam presentes aos pais, promovem pequenas reformas na casa, compram agasalhos para o frio, rádios e aparelhos de TV e vários outros itens de consumo que estão fora do alcance da família.

O trabalho nas indústrias da China é duro, mas faz os jovens felizes. Quando retornam ao lar, além dos bens de consumo, eles levam novas idéias que tentam passar aos seus pais como os prejuízos do fumo e do álcool, a necessidade de escovar os dentes diariamente, o cuidado com a saúde das crianças, etc. São agentes de uma reforma cultural.

Durante o ano inteiro, remetem dinheiro à sua família a ponto de ser essa a principal fonte de renda na maioria das províncias rurais. Tudo isso é feito ganhando-se o equivalente a US$ 0.64 por hora, sem benefícios adicionais e trabalhando 60 horas por semana!

Estamos diante de uma população que ganha pouco, é feliz e ajuda seus familiares. Os domingos são livres e muito bem aproveitados por aqueles que vão ao cinema, almoçam nas cantinas, praticam esporte – facilidades inexistentes na zona rural.

Não há dúvida que os salários chineses vão aumentar com o passar do tempo – e já estão aumentando. Mas a distância entre aquela realidade e o restante do mundo é colossal. As medidas punitivas, o sistema de cotas, e as negociações na OMC terão pouca eficiência para reverter as vantagens comparativas da China no campo do trabalho que perdurarão por muitas décadas.

A convergência entre os mercados de trabalho do mundo dependerá de mudanças mais rápidas nos países importadores. Muita coisa já está acontecendo, quando se consideram as milhares de re-negociações de contratos de trabalho que ocorrem no Japão, União Européia e Estados Unidos. Mas, esse é um processo doloroso, pois ninguém gosta de trabalhar mais e ganhar menos. É a descida da escada que todos detestam. Mas, fora isso, qual é a solução no curto e médio prazos?