Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/06/2005.
Cooperação ou confrontação no trabalho?
Um dos pontos mais controvertidos da reforma sindical diz respeito à representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. Os empregadores desejam que ela seja criada por negociação coletiva enquanto que os empregados e o governo querem que a representação seja garantida pela Constituição Federal, como consta do artigo 11 da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 369/2005 – ora em discussão.
O que diz a experiência internacional nesse campo? Na maioria dos países da OCDE (Organização para Cooperação no desenvolvimento Econômico), essas representações são eleitas e ligadas aos sindicatos, como se pretende estabelecer no Brasil.
Mas a base para sua criação varia. Em poucos casos elas são garantidas por leis ordinárias. Esse é o caso das representações sindicais na Espanha (1979), Itália (1970), França (1968) e Portugal (1975). Os números entre parêntesis indicam a data da aprovação da primeira lei que regulou a matéria. Na Itália, em 1993, o sistema saiu da legislação em e passou para a negociação nacional.
Ao lado dos casos garantidos por legislação ordinária, a maioria dos países tem as representações instituídas por negociação realizada, em geral, em nível local e por setores como ocorre na Holanda, Suíça, Dinamarca, Suécia, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Na Bélgica, Noruega e Finlândia a negociação é nacional.
Além das representações propriamente sindicais, alguns países possuem comissões de empresas sob a denominação de comitês de empresas, comissões de trabalhadores, delegados de pessoal, "workers councils" e outras. Tais representações são garantidas por lei ordinária (com as datas indicadas entre parêntesis), mas a eleição é realizada entre os empregados das empresas, com ou sem a intervenção dos sindicatos. Estão nesse caso apenas sete países, a saber, Áustria (1947), Alemanha (1952), Holanda (1979), Espanha (1980), Suíça (1993), Portugal (1979) e Noruega (1979). A grande maioria dos países da OCDE não possui esse tipo de representação (Franz Traxler, Sabine Blaschke e Bernhard Kittel, National Labour Relations in Internationalized Markets, Oxford: Oxford University Press, 2002).
Como se vê, os sistemas legislados são poucos e antigos - foram originalmente criados antes do acirramento da concorrência trazida pela internacionalização das economias. Eles incidem com mais frequência nas representações organizadas pelos empregados das empresas.
Há ainda o caso de comissões mistas, formadas por representantes de empregados e empregadores, em geral por negociação. Esse é o caso das comissões bi-partites, comitês de produtividade, comissões de qualidade, etc. como ocorre na Holanda, Bélgica, França, Noruega, Dinamarca, Suécia, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Austrália.
Em resumo, na maioria dos países as representações ligadas aos sindicatos são estabelecidas por negociação coletiva, em nível local e setorial ou, em raros casos, em nível nacional. Poucos são os países que baseiam tais representações nas leis ordinárias e, mesmo assim, essas leis, além de antigas, estão em processo de transformação em direção à negociação.
A opção pela negociação tem sua razão de ser. A negociação facilita a adaptação das representações dos trabalhadores às peculiaridades dos setores e das empresas assim como à conjuntura econômica e à dinâmica do mercado de trabalho. Isso permite ajustes rápidos e sem muita interferência externa da política sindical. Isso é fundamental para a manutenção da competitividade e harmonia empresarial.
Sistemas atrelados à lei dificultam tais ajustes. No caso do Brasil, onde se pretende atrelar as representações dos trabalhadores nos locais do trabalho em um comando constitucional, nesse caso, a tendência é de surgir comissões verdadeiramente petrificadas, o que dificultará as mencionadas adaptações, podendo gerar, ainda, mais confrontação do que cooperação – o que vai na contramão das exigências da economia moderna e dos empregos dos trabalhadores. Afinal, empregados e empregadores jamais vencerão a guerra externa da concorrência enquanto estiverem ocupados com a guerra interna.
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