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Publicado na Folha de S. Paulo, 12/04/1987

"Dos bancários para Pazzianotto"

A última greve dos bancários deixou dois ensinamentos que merecem reflexão. Em primeiro lugar, a greve desmentiu a hipótese de que uma paralisação do sistema bancário por mais de três dias, leva o país ao caos. Nada disso. Apesar dos problemas registrados, a nação demonstrou ser capaz de resistir a uma greve de oito ou dez dias – e até mais – caso os bancos venham a se prevenir com esquemas de emergência para o funcionamento da compensação. Por isso, os bancários aprenderam que, para ter grande impacto, a próxima greve terá de ser bem mais longa.

Em segundo lugar, ficou patente que a lentidão da ação do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho acabou por elevar consideravelmente o custo da greve para os bancários. De fato, eles foram forçados a arrastar duramente o movimento por mais de uma semana, com sérios desgastes para a liderança sindical. Ou seja, a não-intervenção precoce permitiu à greve percorrer seu ciclo "normal" como acontece com uma gripe, que começa com dores no corpo, entra na fase da febre para finalmente abandonar o organismo, quando este se mostra mais forte do que aquela.

Neste momento em que o ministro Almir Pazzianotto se dedica – juntamente com as lideranças sindicais – a reformular a sistemática da negociação e da greve, os bancários não podiam ter oferecido uma contribuição mais expressiva para o entendimento das mazelas da nossa legislação trabalhista.

Num balanço final, parece razoável dizer que a não-intervenção do Ministério do Trabalho e do TST, ao elevar o custo da greve para os bancários, contribuiu para diminuir a probabilidade de ocorrência de novas greves, inclusive de outras categorias. Isso significa dizer que a intervenção – especialmente a intervenção precoce – reduz o custo da greve e induz a ocorrência de novas greves. Lembremos que o custo seria ainda mais alto caso os bancos decidissem não pagar os dias parados e a descontar o que é de lei (descanso remunerado, proporcional de férias, de 13º salário, etc.).

Ou seja, se o TST tivesse julgado imediatamente a greve e esta tivesse terminado em dois ou três dias, o custo da greve teria sido menor para os grevistas e a probabilidade de ocorrência de novas greves teria sido maior. Colocando o argumento de outra forma, a CLT, ao pretender ser inibidora, na verdade, é indutora de greves de baixo custo. Da mesma forma, os empresários, ao buscarem a conciliação pelo pagamento sistemático dos dias parados, acabam sempre colaborando para a preparação da próxima greve.

Uma legislação moderna, tudo indica, deveria buscar exatamente o inverso da atual, ou seja, facilitar a deflagração e elevar substancialmente o custo da greve. Com isto, não se impediria e nem se proibiria a greve. Tornaria apenas as greves mais conseqüentes para cada parte.

Essa seria a grande vantagem da liberdade: menos complicação e mais auto-controle dos movimentos grevistas. Ademais, a liberdade elevaria significativamente a responsabilidade do empregador para negociar. O empresário aprenderia que sua intransigência na negociação induziria à greve e, neste caso, ninguém viria em seu socorro – nem o Ministério do Trabalho, nem a Justiça do Trabalho. Os trabalhadores, organizando-se bem e formando um bom fundo de greve, estariam preparados para uma resistência de várias semanas. Na impossibilidade do resgate governamental, evidentemente, os empresários procurariam o caminho da negociação, de modo a tudo fazer para evitar a greve, pois os custos seriam altos também para as empresas.

É claro que, no caso da greve dos bancários, houve um complicador adicional – o Decreto-Lei 1.632, que proíbe a greve no setor. Aqui também a nova legislação poderia facilmente contornar esse problema, ao exigir dos trabalhadores dos setores essenciais o funcionamento dos serviços básicos – sob penas de fortes multas e outras sanções.

O princípio básico, pois, que a realidade já está demandando, é o de deixar o trato das divergências, a solução dos impasses, nas mãos das próprias partes – empregados e empregadores, elevando-se os custos para ambos nos casos de intransigência, imperícia e imprudência. Por isso, nesta hora em que mais uma vez o Executivo tenta mudar a CLT, convida propor ao legislador não a criação de mecanismos que garantam resultados, mas, basicamente, mecanismos que garantam a negociação leal, de tal modo a impedir, o máximo possível, que o impasse saia do âmbito dos negociadores. O resultado vem como produto da negociação exaustiva. Com isso, diminuiria bem o comodismo do empresário, que se nega a negociar e joga o caso prematuramente para a Justiça; assim como o comodismo dos líderes sindicais, que culpam os juízes quando a sentença não é boa e vangloriam-se quando o resultado é favorável.

A grande barreira a ser vencida neste momento é superar as expectativas paternalistas e autoritárias que ainda predominam em nossa sociedade em relação à greve. Paradoxalmente, até a imprensa chamada progressista reclama quando o tribunal retarda sua intervenção. O próprio público espera a entrada firme do Ministério e da Justiça do Trabalho em cada greve que afeta os serviços essenciais. E, por que não dizer, setores intestinos do governo ficam inquietos quando a febre se prolonga, sem intervenção do atual aparelho antigreve.

A última greve dos bancários serviu, assim, para questionar essa concepção de que quanto mais intervenção, menos greve. Mas mostrou também que – pelas informações disponíveis – a não intervenção foi muito mais um produto de desafetos entre o Ministério do Trabalho e o TST, do que propriamente a convicção consolidada sobre a superioridade da liberdade na área trabalhista. Mesmo assim, funcionou. Afinal, de vez em quando, os ministros também escrevem certo por linhas tortas...