Apresentado no Seminário sobre Desenvolvimento com Liberdade, Brasília, 07/04/2005.
Legislação Trabalhista, Emprego e Renda: A Reforma Necessária
A geração de empregos depende de vários fatores. Três deles são essenciais: crescimento econômico, boa educação e legislação adequada. O Brasil está mal em todos eles. O crescimento econômico tem sido anêmico. A educação continua de baixa qualidade. E a legislação trabalhista não mais se ajusta a uma economia que se abre e tem de competir.
O objetivo deste ensaio é detalhar a realidade das empresas e dos empregos no Brasil e avaliar em que medida será necessário modificar a legislação trabalhista para minorar o desemprego e a informalidade.
No Brasil, há um enorme abismo entre a lei e a realidade no campo do trabalho. Embora o país possua uma das legislações mais protecionistas do mundo, apenas 40% dos brasileiros que trabalham desfrutam das suas proteções. Ou seja, 60% vivem na informalidade, sem nenhuma proteção e causando um grande rombo nas contas da Previdência Social. Outros 10% estão desempregados.
A Constituição Federal e a CLT estabelecem um grande conjunto de direitos a serem respeitados por todas as empresas para a contratação legal de seus empregados. Nenhum desses direitos é negociável entre empregados e empregadores. Mesmo que as partes desejem, a lei não permite negociá-los. Tais direitos geram deveres que, por sua vez, se traduzem em despesas de contratação que chegam a 103,46% do salário conforme mostra a Tabela 1, aqui repetida para facilitar a leitura deste ensaio.
Isso se aplica a todas as empresas, independentemente de seu porte. Uma microempresa tem as mesmas despesas de contratação que uma mega-empresa montadora de automóveis. A lei tem de ser seguida em todas as regiões do país e setores da economia, sem possibilidade de negociação. Um pequeno produtor rural do interior de um estado pobre tem as mesmas despesas de contratação de um grande industrial de um estado rico. Temos uma lei tamanho único para realidades distintas.
Além das despesas indicadas, a regulação legal gera uma série de procedimentos administrativos e uma pesada burocracia para manter o pessoal empregado assim como para preencher dezenas de guias de recolhimento de contribuições e fazer cálculos complexos.
Tabela 1. Despesas de Contratação no Brasil
(Horistas)
Tipos de Despesas |
% sobre o Salário |
Grupo A –Obrigações Sociais |
Previdência Social |
20,00 |
FGTS |
8,50 |
Salário Educação |
2,50 |
Acidentes do Trabalho (média) |
2,00 |
SESI/SESC/SEST |
1,50 |
SENAI/SENAC/SENAT |
1,00 |
SEBRAE |
0,60 |
INCRA |
0,20 |
Subtotal A |
36,30 |
Grupo B –Tempo não Trabalhado I |
Repouso Semanal |
18,91 |
Férias |
9,45 |
Abono de Férias |
3,64 |
Feriados |
4,36 |
Aviso Prévio |
1,32 |
Auxílio Enfermidade |
0,55 |
Subtotal B |
38,23 |
Grupo C –Tempo não Trabalhado II |
13º Salário |
10,91 |
Despesa de Rescisão Contratual |
3,21 |
Subtotal C |
14,12 |
Grupo D –Incidências Cumulativas |
|
Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B |
13,88 |
Incidência do FGTS s/13º sal. |
0,93 |
Subtotal D |
14,81 |
TOTAL GERAL |
103,46 |
Fonte: Itens da Constituição Federal e CLT.
Despesas de 103,46% significam que, uma empresa que contrata trabalhadores horistas por R$ 1.000,00 por mês tem um custo geral de R$ 2.030,00. Tratam-se de despesas com as quais as empresas têm de arcar na sua totalidade. São todas compulsórias. Não há o que discutir.
As micro e pequenas empresas têm enormes dificuldades para arcar com essas despesas e desincumbirem-se da carga de burocracia por elas geradas. As grandes, para cumprir a lei, montam grandes departamentos de pessoal, jurídico e de recursos humanos, o que rebate nos custos de produção e nos preços dos bens e serviços.
Para compreender melhor essas dificuldades, convém examinar em detalhes as características das empresas e do mercado de trabalho do Brasil.
Os dados da RAIS de 2001 mostraram haver no Brasil cerca de 5,5 milhões de empresas registradas (com CNPJ). Destas, cerca de 5,3 milhões são micro-empresas (Tabela 2).
Tabela 2. Empresas Formais, por Setor de Atividade no Brasil, 2001
Porte da Empresa |
Industria |
Comércio |
Serviços |
Total |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Micro |
939.267 |
17,8 |
2.414.652 |
45,8 |
1.923.389 |
36,4 |
5.277.308 |
100 |
Pequena |
48.314 |
19,7 |
88.941 |
36,2 |
108.203 |
44,1 |
245.458 |
100 |
Média |
9.856 |
33,3 |
5.724 |
19,4 |
13.999 |
47,3 |
29.579 |
100 |
Grande |
1.580 |
7,0 |
2.955 |
13,2 |
17.899 |
79,8 |
22.434 |
100 |
Total |
999.017 |
17,9 |
2.512.272 |
45,1 |
2.063.490 |
37,0 |
5.574.779 |
100 |
Fonte: RAIS, 2001. SEBRAE (2003a).
O Brasil é uma nação continental e, ao mesmo tempo, o país das "formiguinhas produtivas". Há cerca de 95% de micro-produtores. A grande maioria é composta de empresas de faturamento baixo e incerto. Raramente são exportadoras. Poucas produzem para grupos de alta renda. Elas se concentram no pequeno comércio, pequenos serviços e pequenas indústrias. Seus recursos são escassos, tendo enormes dificuldades para seguir a atual legislação trabalhista e para negociar cláusulas diferentes com seus empregados o que, aliás, é proibido por lei (a não ser o salário e a participação nos lucros ou resultados).
Quando se agregam as micro e as pequenas empresas, o quadro fica ainda mais claro. O Brasil é dominado por pequenas unidades produtivas (Tabela 3). O comércio e os serviços concentram mais de 80% dessas unidades de pequeno porte nas zonas urbanas. Há ainda uma expressiva parcela nas zonas rurais, o que será tratado mais adiante.
Tabela 3 Micro e Pequenas Empresas Formais, por Setor de Atividade no Brasil, 2001.
Porte da Empresa |
Industria |
Comércio |
Serviços |
Total |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Empresas |
% |
Micro e Peq |
987.581 |
17,9 |
2.503.593 |
45,3 |
2.031.592 |
36,8 |
5.522.766 |
100 |
Média |
9.856 |
33,3 |
5.724 |
19,4 |
13.999 |
47,3 |
29.579 |
100 |
Grande |
1.580 |
7,0 |
2.955 |
13,2 |
17.899 |
79,8 |
22.434 |
100 |
Total |
999.017 |
17,9 |
2.512.272 |
45,1 |
2.063.490 |
37,0 |
5.574.779 |
100 |
Fonte: RAIS, 2001. Brasília: Observatório SEBRAE DE MPE, Empresas Brasileiras, Estudo MPE no. 1, julho de 2003.
O Brasil tem de encarar essa realidade diversificada e caracterizada por uma grande concentração em empresas fracas. Isso impõe restrições ao cumprimento da regulação legislada no campo do trabalho. A desobediência não é fruto de indisciplina dessas empresas. Um aperto exagerado por parte da fiscalização pode quebrá-las por completo, transferindo os trabalhadores da informalidade para o desemprego.
Os dados apresentados pelo IBGE e pela RAIS em 2002 mostram proporções semelhantes. As micro empresas respondem por quase 94% do total de empresas formais das zonas urbanas do Brasil (Tabela 4) e quando unidas às pequenas empresas, o percentual chega a 99%.
Tabela 4 Empresas Formais, por Setor de Atividade no Brasil, 2002
Setor |
Micro |
Pequena |
Média |
Grande |
Total |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
Indústria |
439.013 |
90,7 |
37.227 |
7,7 |
6.548 |
1,4 |
1.430 |
0,3 |
484.218 |
100 |
Construção |
116.287 |
91,9 |
8.282 |
6,5 |
1.694 |
1,3 |
221 |
0,2 |
126.484 |
100 |
Comércio |
2.337.889 |
95,4 |
105.891 |
4,3 |
4.862 |
0,2 |
2.846 |
0,1 |
2.451.488 |
100 |
Serviços |
1.712.418 |
92,3 |
122.609 |
6,6 |
10.548 |
0,6 |
10.605 |
0,6 |
1.856.180 |
100 |
Total |
4.605.607 |
93,6 |
274.009 |
5,6 |
23.652 |
0,5 |
15.102 |
0,3 |
4.918.370 |
100 |
Fonte: IBGE. Elaboração SEBRAE/UED, 2002. www.sebrae.com.br/br/aprendasebrae/empresas_estudos.asp.
Ao lado das características econômicas das empresas é preciso estudar as características de seus quadros de pessoal. Segundo os dados do Cadastro Central de Empresas (IBGE, 2002), das 4.964.885 empresas registradas (que têm CNPJ), 4.124.994, ou seja, cerca de 83% empregam de 0 a 4 trabalhadores. Em outras palavras, a esmagadora maioria de empresas emprega poucos empregados por unidade (Tabela 5).
Tabela 5 Pessoal Ocupado em Empresas e Outras Organizações em 2002
Faixas de pessoal ocupado |
No. de empresas* |
% |
Pessoal ocupado |
% |
0 a 4 |
4.124.994 |
83,1 |
6.381.461 |
18,4 |
5 a 9 |
463.519 |
9,4 |
2.977.674 |
8,3 |
10 a 19 |
219.306 |
4,5 |
2.871.399 |
8,3 |
20 a 29 |
57.832 |
1,1 |
1.367.904 |
4,0 |
30 a 49 |
41.386 |
0,8 |
1.560.595 |
4,4 |
50 a 99 |
27.974 |
0,6 |
1.923.830 |
5,5 |
100 a 249 |
16.944 |
0,3 |
2.618.172 |
7,5 |
250 a 499 |
6.653 |
0,1 |
2.319.062 |
6,6 |
500 e mais |
6.277 |
0,1 |
12.739.609 |
36,6 |
Total |
4.964.885 |
100,0 |
34.759.706 |
100,0 |
(*) Inclui órgãos públicos e organizações sem fins lucrativos
Fonte: IBGE: Cadastro Central de Empresas de 2002
São essas empresas que têm a maior dificuldade para obedecer as exigências das leis atuais. Em um estudo baseado no Cadastro de Estabelecimentos Empregadores do Ministério do Trabalho, 92,8% das empresas formais que tinham empregados no ano 2000, eram micro-empresas – tinham de 0 a 19 empregados formais. De um total de 26,2 milhões de empregos formais no ano 2000, 66,2% eram micro-empresas. Esse cadastro se baseia em dados da RAIS e essas empresas são as que mais contribuem para o crescimento do emprego no país (Najberg e Puga, 2002).
Retirando-se dos dados acima os órgãos públicos e as organizações sem fins lucrativos, e levando-se em conta a classificação do SEBRAE que considera o tamanho da empresa e o setor de atividade, os dados da Tabela 6 mostram que as micro empresas formais ocupam praticamente o mesmo montante de pessoal do que as grandes empresas, com um forte destaque para o comércio e os serviços.
Tabela 6 Pessoal Ocupado por Tamanho de Empresas Formais e Setor de Atividade no Brasil, 2002
Setor |
Micro |
Pequena |
Média |
Grande |
Total |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
No. |
% |
Indústria |
1.571.608 |
23,7 |
1.471.254 |
22,2 |
1.322.673 |
20,0 |
2.256.721 |
34,1 |
6.622.256 |
100 |
Construção |
356.660 |
27,3 |
339.777 |
26,0 |
327.135 |
25,0 |
284.005 |
21,7 |
1.307.577 |
100 |
Comércio |
4.664.545 |
58,9 |
1.772.233 |
22,4 |
327.443 |
4,1 |
1.161.426 |
14,7 |
7.925.647 |
100 |
Serviços |
3.374.388 |
28,8 |
2.206.611 |
18,8 |
722.852 |
6,2 |
5.402.593 |
46,2 |
11.706.444 |
100 |
Total |
9.967.201 |
36,2 |
5.789.875 |
21,0 |
2.700.103 |
9,8 |
9.104.745 |
33,0 |
27.561.924 |
100 |
Fonte: IBGE e RAIS. Elaboração SEBRAE/UED, 2002. www.sebrae.com.br/br/aprendasebrae/empresas_estudos.asp.
Quando se agrega as micro e as pequenas empresas, o montante de pessoal ocupado, segundo o SEBRAE, chega a quase 16 milhões de trabalhadores, ou seja, 57% do total do emprego formal do Brasil como se vê na Tabela 7.
Tabela 7 Pessoal Ocupado Micro e Pequenas Empresas Formais, por Setor de Atividade no Brasil, 2002
Setor |
Micro e Pequena |
Média |
Grande |
Total |
No. |
% |
No. |
% |
% |
No. |
No. |
% |
Indústria |
3.042.862 |
45,9 |
1.322.673 |
20,0 |
2.256.721 |
34,1 |
6.622.256 |
100 |
Construção |
696.437 |
53,3 |
327.135 |
25,0 |
284.005 |
21,7 |
1.307.577 |
100 |
Comércio |
6.436.778 |
81,2 |
327.443 |
4,1 |
1.161.426 |
14,7 |
7.925.647 |
100 |
Serviços |
5.580.999 |
47,6 |
722.852 |
6,2 |
5.402.593 |
46,2 |
11.706.444 |
100 |
Total |
15.757.076 |
57,2 |
2.700.103 |
9,8 |
9.104.745 |
33,0 |
27.561.924 |
100 |
Fonte: IBGE. Elaboração SEBRAE/UED, 2002. www.sebrae.com.br/br/aprendasebrae/empresas_estudos.asp.
Os dados do Cadastro Central de Empresas do IBGE, indica que, em 2002, cerca de 3,1 milhões de empresas e organizações (que incluem órgãos públicos e organizações sem fins lucrativos) não tinham nenhum empregado, tendo sido esse o segmento que mais se expandiu nos últimos anos.
São as empresas de um ou mais sócios. São profissionais que foram rejeitados como "empregados" pelas empresas que os contratavam dessa forma ou que passaram a buscar especialização ou recursos humanos que trabalhem de forma intermitente, transformando, assim, custos fixos em custos variáveis.
Tais empresas tem se expandido. De 2001 para 2002, a sua proporção aumentou 6,3%, passando de 2,9 milhões para 3,1 milhões de unidades enquanto que o crescimento do total de sócios e proprietários foi bem superior – 9,6% - passando de 3,9 milhões para 4,3 milhões de pessoas (IBGE 2002).
Um dos principais motivos dessa expansão, refere-se à extrema rigidez e às despesas geradas pela legislação trabalhista. As empresas formais de maior porte não querem arcar com esses custos fixos e preferem contratar serviços de profissionais especializados que trabalham como pessoa jurídica com custos variáveis. Como diz Gesner Oliveira, o peso das despesas de contratação levou desempregados e empregados a se transformarem artificialmente em "empresários acidentais" (Oliveira, 2004) - um artificialismo criado pelo irrealismo da lei de tamanho único.
É nas pequenas unidades produtivas que mais incide a informalidade, com poucos trabalhadores com registro em carteira (Tabela 7).
Tabela 7 Pessoal Ocupado nas Empresas do Brasil, 1996 (Em porcentagem)
Posição na ocupação |
Número de Empregados |
1 a 10 |
11 de mais |
Total |
Empregados com carteira |
16,7 |
83,3 |
100,0 |
Empregados sem carteira |
71,5 |
28,5 |
100,0 |
Conta Própria |
99,6 |
0,4 |
100,0 |
Empregadores |
82,5 |
17,5 |
100,0 |
Não remunerado |
96,6 |
3,4 |
100,0 |
Fonte: (SEBRAE, 2000). Elaborado com base nos dados da PNAD-96. Não foram incluídos militares e funcionários públicos.
Os dados dessa tabela não revelam os montantes absolutos mas sim os relativos. Entre os empregados com carteira assinada, por exemplo, apenas 16,7% estão em empresas que têm de 1 a 10 empregados. Os demais estão em empresa de porte maior. Por sua vez, entre os empregados sem carteira assinada, 71,5% estão nas empresas de pequeno porte e 28,5% nas de maior porte. Mais de 99% dos trabalhadores por conta própria que prestam serviços para as empresas o fazem para as micro e pequenas unidades. O mesmo acontece com os empregadores e com os que trabalham sem remuneração.
Analisando a matéria de modo agregado, os dados da RAIS de 2000 mostram que as micro e pequenas empresas (com até 19 empregados) representavam 93% dos estabelecimentos empregadores e geravam apenas 26% dos empregos formais do país - cerca de 7 milhões de postos de trabalho. As micro empresas (com até 4 trabalhadores) representavam 70% dos estabelecimentos empregadores e empregavam 9% dos trabalhadores formais do país - cerca de 2,4 milhões de postos de trabalho (Najberg, et. al., 2002).
Segundo o PNAD de 2002, havia no Brasil 43,8% de empregados sem carteira assinada e mais 21,3% de trabalhadores por conta própria, e 2,9% sem remuneração - o que totaliza 68% de trabalhadores em situação precária. Considerando-se que apenas 8% dos trabalhadores por conta própria têm vínculo com a Previdência Social, a taxa de informalidade cai para cerca de 60% - dado que é registrado também pelo Ministério da Previdência Social.
Infelizmente, inexistem dados que permitam uma visão direta e agregada da informalidade nas micro e pequenas empresas - formais e informais - de todo o país. A estimação da informalidade requer alguns cálculos e várias hipóteses, algumas heróicas.
À informalidade das micro e pequenas empresas formais (que possuem CNPJ) devem ser acrescentadas a informalidade das empresas informais. O número destas supera em muito o das formais. Enquanto a RAIS registra cerca de 5,5 milhões de empresas formais, o IBGE estima em mais de 9 milhões as unidades produtivas informais das zonas urbanas do Brasil. Esse dado é da Pesquisa de Economia Informal Urbana – ENCIF (IBGE, 1997).
De acordo com a definição da ENCIF, pertencem ao setor informal todas as unidades econômicas de propriedade de trabalhadores por conta própria e de empregadores com até 5 empregados, moradores de áreas urbanas, sejam elas a atividade principal de seus proprietários ou atividades secundárias. Foram excluídos os moradores de rua e os trabalhadores domésticos.
Entre as empresas de empregadores apareceram em primeiro lugar, as de comércio e serviços técnicos e auxiliares, enquanto que as por conta própria tiveram maior saliência as de serviços de reparação, serviços pessoais, serviços de diversão e serviços domiciliares. Mais de 94% dessas unidades têm um único proprietário. Só 7% têm constituição jurídica (CNPJ). Cerca de 46% não fazem qualquer registro contábil. Outras 46% dispõem de registros anotados pelo próprio proprietário. E 7% usam contadores. Na amostra pesquisada, 85% das pessoas ocupadas eram proprietárias (trabalhadores por conta própria e empregadores), 14% eram empregados, em sua maioria, sem carteira de trabalho (Jorge, 1996).
Pela natureza das posições nas ocupações e pelas características dos negócios e das pessoas, é razoável supor-se que a informalidade nas empresas informais é mais alta do que a verificada nas empresas formais - chegando a, pelo menos, 70%. Registre-se que a taxa de informalidade sofre variações de setor para setor e de região para região do país. Por exemplo, os estudos do Sinduscon de São Paulo para o setor da construção civil mostram haver apenas 36% dos trabalhadores com registro em carteira e 64% sem registro. Ao se adentrar pelo interior do Brasil, em especial nas regiões mais pobres, a informalidade sobe.
Às cifras da informalidade urbana, deve-se acrescentar a informalidade do setor agrícola. Esse setor é dominado por micro e pequenas unidades produtivas (80%) que empregam a maioria das pessoas que trabalham (70%). Os dados da Tabela 7, referentes a 2003, registram que, dos 16,5 milhões de brasileiros ocupados na agricultura (só setor primário, sem o agronegócio), a grande maioria não tem vínculo com a Previdência Social e, portanto, trabalha na informalidade.
A agricultura brasileira é caracterizada por uma grande quantidade de pequenas unidades produtivas. É aí que a informalidade impera, dada a dificuldade dos agricultores acompanharem a rigidez da legislação trabalhista.
A título de exercício, a Tabela 8 apresenta os dados para toda a agricultura brasileira, excluindo-se a Amazônia Legal que não é pesquisada pelo IBGE, onde incide muita informalidade. Os dados mostram a presença de várias categorias de trabalhadores de alta informalidade a começar pelos empregados. Dos 4,5 milhões de empregados existentes, apenas 1,3 milhão têm carteira assinada (30%) e 3,2 milhões não têm (70%).
Tabela 8 Trabalhadores do Setor Agrícola, 2003
População Ocupada |
16.409.383 |
100,0 |
Empregados |
4.531.366 |
27,6 |
Com registro em carteira |
1.358.893 |
(30,0) |
Sem registro em carteira |
3.170.940 |
(70,0) |
Conta Própria |
4.237.642 |
25,8 |
Sem remuneração |
3.842.443 |
23,4 |
Auto-Consumo |
3.319.977 |
20,2 |
Empregadores |
477.955 |
3,0 |
Fonte: Síntese de Indicadores Sociais, IBGE, 2005. Exclui a Amazônia Legal.
Ao lado dos empregados, há várias outras categorias onde também predomina o trabalho sem nenhum vínculo com a Previdência Social, como é o caso dos que trabalham sem remuneração (23,4%), os que produzem para auto-consumo (20,2%) e os que trabalham por conta própria (25,8%). Até mesmo entre os empregadores a informalidade é alta.
Considerando-se que uma parte (pequena) dessas categorias tem vínculo com a Previdência Social como contribuintes facultativos, e estimando-se esse montante em cerca de 980 mil pessoas (com base nas taxas de contribuição facultativa do INSS), o setor agrícola teria menos de 2,5 milhões de trabalhadores formais - cerca de 15%, exibindo uma informalidade que chega à 85%, sendo a maioria nas micro e pequenas unidades produtivas.
O total de pessoal empregado nas micro e pequenas empresas urbanas e unidades agrícolas chega a cerca 28,7 milhões. Para esse total, há cerca de 9,3 milhões de pessoas trabalhando formalmente o que equivale a cerca de 32%, A informalidade nas micro e pequenas empresas chega praticamente a 68%. Mas, como vimos, nesses dados não estão computados os postos de trabalho do setor rural da Amazônia Legal, o que deve elevar a informalidade para mais de 70%. A isso há que se somar uma proporção razoável de empregadores que não possui vínculo com a Previdência Social. De modo conservador, pode-se dizer que a informalidade nas micro e pequenas unidades do Brasil chega a 74%.
Portanto, quem mais convive com a informalidade são as empresas de pequeno porte. Quem mais amarga a desproteção são os brasileiros que nelas trabalham. É aí que a lei mais atrita com a realidade. Os dados mostram que os mais castigados pela a informalidade são os pobres e isso vem aumentando com o passar do tempo. Em 1981, 74% dos pobres trabalhavam no mercado informal; em 2001, essa proporção saltou para 80% (Rocha, 2005).
Voltando à análise mais geral do mercado de trabalho do Brasil, o ano de 2004 apresentou o seguinte quadro. O país possuía 8,5 milhões de pessoas desempregadas e 79,3 milhões trabalhando. Destas 31,7 milhões (40%) estavam na formalidade e os restantes 47,5 milhões na informalidade (60%).
É um número colossal e que tem forte impacto nos trabalhadores, no governo e nas empresas. Os trabalhadores ficam sem proteção. A Previdência Social fica ser recursos. E as empresas amargam baixa produtividade. A informalidade gerada pelo irrealismo da lei cria problemas para todos os lados.
Muitos argumentam que o crescimento econômico resolve esse problema. Ledo engano. O crescimento é necessário, mas não é suficiente. A informalidade tem crescido na recessão e na retomada da economia. Em 2004, quando o PIB cresceu mais de 5%, o mercado de trabalho formal das regiões metropolitanas cresceu apenas 1,3% enquanto que o informal cresceu 6,0% (IBGE, 2004). Ou seja, com um PIB crescente, a informalidade aumentou com uma velocidade quatro vezes maior do que a formalidade. Na capital de São Paulo, por exemplo, mais da metade das pessoas que encontraram emprego em 2004 não conseguiram registro na sua carteira de trabalho (PMSP, 2004).
O problema da informalidade tornou-se crônico no Brasil. Estudos que utilizam séries históricas mostram que o emprego informal cresceu de modo expressiva nos últimos 20 anos. Em 1985 havia um emprego formal para cada 2,7 trabalhadores; em 2002, essa proporção subiu de 1 para 3. Em relação aos celetistas, o quadro se agravou ainda mais. Em 1985 havia três trabalhadores para cada emprego com carteira assinada por prazo indeterminado; em 2002, havia 4 trabalhadores para cada celetista (Constanzi, 2004). A grande explosão se deu entre 1988-1998, nos dez anos que se seguiram a aprovação da nova Carta Magna. Entre 1988 e 1990, houve aumento de 50% da informalidade. O mercado informal tornou-se mais heterogêneo com uma participação crescente de trabalhadores com mais de 11 anos de estudo (mais qualificados) (Reis e Ulyssea, 2005; Ulyssea, 2005).
Como trabalham os trabalhadores informais? Dos 47,5 milhões apontados acima, 19,2 milhões (40,3%) trabalham como empregados que deveriam ter sua carteira registrada, mas não têm porque a grande maioria está em empresas de pequeno porte que não dispõem de condições de fazê-lo. Cerca de 17,2 milhões são trabalhadores por conta própria cujo vínculo com a formalidade dependeria de um regime previdenciário especial sobre o qual muito se fala, mas que pouco se fez. Cerca de 4,3 milhões são empregados domésticos não registrados que, devido às peculiaridades de muitos lares, não conseguem formalizar seu contrato de trabalho. Aproximadamente 5,7 milhões são pessoas que trabalham sem remuneração, a maioria na zona rural, ajudando parentes na lavoura familiar ou no comércio e serviços. E mais de 1,1 milhão são empregadores informais. Em suma, para 47,5 milhões de brasileiros não há falta de trabalho, mas sim de proteção.
Pelos números apresentados, fica claro que cada segmento exige uma adequação da legislação atual, tanto trabalhista como previdenciária. É impossível continuar com uma lei "tamanho único" para realidades tão diferentes. Isso acentua as desigualdades.
O Brasil precisa diferenciar a sua legislação no campo do trabalho de modo a torná-la ajustada à realidade. Sobretudo, o país necessita desenvolver proteções que sejam atreladas às pessoas e não aos postos de trabalho. Sim porque os trabalhadores fazem um verdadeiro zigue-zague ao longo de suas carreiras, trabalhando algum tempo no mercado informal, outro no mercado formal, voltando várias vezes para o mercado informal, especialmente quando o desemprego aperta. Pela lei atual, eles são protegidos apenas no mercado formal, em particular, como empregados. Quando deixam de ser empregados formais e adentram o mundo do trabalho (e não do emprego), perdem as proteções, o que não é admissível em uma sociedade que pretende tratar todos os cidadãos de maneira digna.
A criação de um "simples trabalhista" poderia ajudar a formalizar muitos empregados. As empresas são sensíveis a simplificações. Como vimos, a criação do SIMPLES Tributário em 1996 (Lei 9317/1996) fez com que, nos primeiros três anos, as empresas formalizassem mais de três milhões de empregados que trabalhavam em situação irregular.
O SIMPLES Tributário consiste em desburocratização e redução de despesas. As contribuições sociais das empresas são reunidas em um formulário único que é entregue à Secretaria da Receita Federal (que repassa para a Previdência Social os recursos do INSS). A cota parte previdenciária do SIMPLES resulta de uma alíquota que varia entre 1,2% e 4,3% do faturamento, em vez dos 22% que incidem sobre a folha de salários dos não optantes por aquele Programa.
Como conseqüência dessa redução de carga fiscal, o SIMPLES ofereceu uma janela de oportunidade para as micro e pequenas empresas se legalizarem e registrarem os seus empregados (GFIP, 2000).
Cechim e Fernandes realizaram um estudo de acompanhamento das formalização das micro e pequenas empresas a partir da aprovação do SIMPLES (Cechim e Fernandes, 2000). Foram acompanhadas 1.128.219 empresas existentes em janeiro de 1996 que, potencialmente, se enquadrariam no SIMPLES. Em 1996, antes da aprovação da referida lei, esse conjunto de empresas empregou 773 mil pessoas com carteira assinada. O SIMPLES entrou em vigor em janeiro de 1997. Um ano depois, aquelas empresas empregaram 1.314.000 trabalhadores com carteira assinada – um aumento de 70%. Em 1999, cerca de 1 milhão de empresas haviam optado pelo SIMPLES e o número de empregados formais subiu para 3,5 milhões!
De 1996 para 2003, o número de microempresas formalizadas foi crescente (IPEA, 2004). Por isso, a extensão desse programa para a área trabalhista poderia ajudar a atenuar o grave problema da informalidade que, como vimos, incide fundamentalmente nas micro e pequenas empresas.
No que consistiria um "Simples Trabalhista"? Um Programa desse tipo pode ser restrito (se forem feitas mudanças nas leis ordinárias) ou amplo (se for baseado em reformas constitucionais).
Examinemos a primeira hipótese. Nesse caso, o Simples trabalhista terá de estimular o emprego formal nas micro e pequenas empresas por meio de novas leis ordinárias que venham a permitir uma redução e/ou parcelamento do pagamento das despesas com Previdência Social, FGTS, salário-educação e outros componentes da Tabela 1.
No final de 2001, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma modificação no artigo 618 da CLT que preservava os direitos básicos da Tabela 1 e tornava maleável a forma de cumprimento daqueles direitos (Projeto de Lei nº 5.483/2001). O projeto estava para ser apreciado pelo Senado Federal quando, no início de 2003, o Presidente Lula pediu a sua retirada e conseqüente arquivamento.
Naquele projeto abria-se o espaço de negociação para todas as empresas e não apenas para as micro e pequenas. O foco eram as negociações de algumas condições de trabalho que se referem ao contrato individual de trabalho (art. 468 da CLT), tais como, (1) a compensação de horários dentro dos limites constitucionais; (2) a redução da jornada de trabalho; (3) a exclusão ou inclusão do tempo in itinere na jornada; (4) a jornada de tempo parcial; (5) o número de horas extras compensáveis; (6) a condição de gerentes e exercentes de cargos de confiança; (7) a duração dos intervalos; (8) os dias de concessão nos quais recairá o repouso semanal; (9) o período que se caracteriza como noturno; (10) o percentual do adicional noturno; (11) a forma de marcação de ponto; (12) o contrato por prazo determinado assim como (13) a forma de tirar férias (em períodos negociados); (14) o modo de pagar o 13º salário e o abono de férias (em parcelas negociadas). Tudo deveria ser negociado com a participação direta dos sindicatos dos trabalhadores.
O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados excluía da negociação uma série de direitos muito fortes: (1) os dispositivos constitucionais; (2) as leis complementares; (3) os direitos previdenciários; (4) as normas tributárias; (5) o FGTS; (6) o vale transporte; (7) o programa de alimentação; (8) as normas de segurança e saúde no trabalho.
No campo constitucional, permaneciam como inegociáveis os seguintes direitos: (1) indenização por dispensa imotivada; (2) jornada semanal de 44 horas; (3) jornada diária de 6 horas para sistemas de revezamento (a menos o previsto na própria Constituição); (4) adicional de 50% nas horas extras; (5) acréscimo de 1/3 da remuneração das férias; (6) licença-paternidade de 5 dias; (7) idade mínima de 16 anos para trabalho; (8) isonomia salarial entre avulsos e empregados; (9) estabilidade da gestante; (10) estabilidade de dirigente sindical e membro da CIPA; (11) participação nos lucros, ou resultados e gestão da empresa; (12) direito de greve.
Estavam fora da negociação também: (1) as normas de direito público do trabalho (registro em carteira, fiscalização do trabalho, homologação de rescisões; etc.); (2) o direito penal do trabalho (retenção dolosa do salário, omissão de documentos da previdência social, etc.); (3) as convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil; (4) a organização sindical; (5) e as sentenças da Justiça do Trabalho (Mascaro, 2001).
Ou seja, a área do proibido continuava maior do que a do permitido. O projeto mantinha todos os direitos, mas dava espaço para negociar a forma de pagamento, transformando proteções integrais em proteções temporariamente parciais. O Partido dos Trabalhadores combateu o projeto por discordar de proteções parciais.
Vale a pena, porém, meditar sobre essa matéria, mesmo porque, em novembro de 2004, o Presidente Lula – Presidente de honra do Partido dos Trabalhadores - enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que garante proteções parciais (Projeto de Lei Complementar PLP 210/2004). Esse projeto cria isenções tributárias, previdenciárias e trabalhistas com vistas a atrair para a formalidade as pessoas que trabalham por conta própria e seus empregados. Os princípios básicos são os seguintes:
(1) O projeto cria um programa destinado a trabalhadores por conta própria e seus empregados: (2) os trabalhadores por conta própria, ao entrarem no programa, transformar-se-ão em microempresários; (3) se tiverem colaboradores, estes serão transformados em empregados registrados (formais); (4) nesse programa, são elegíveis as pessoas que faturam até R$ 36.000,00 por ano.
No âmbito tributário, haverá isenção do IRPJ, PIS/PASEP, CSLL, COFINS, IPI. A escrituração será simplificada. O projeto permite que Estados e Municípios adotem valores fixos mensais de até R$ 45,00 para o ICMS e R$ 60,00 para o ISS, respectivamente.
No âmbito previdenciário, a alíquota para o INSS será de apenas 1,5% sobre o faturamento.
Ao microempresário, aos trabalhadores por conta própria e aos contribuintes facultativos (inclusive empregada doméstica) dá-se a opção de filiarem-se à Previdência Social, mediante contribuição de apenas 11% sobre o salário mínimo. A aposentadoria, porém, será apenas por idade e invalidez e não por tempo de contribuição (proteção parcial). O valor da aposentadoria será baseado na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo (outra proteção parcial). Não haverá cobertura para o desemprego involuntário.
No âmbito trabalhista, a contribuição ao FGTS será reduzida de 8% para 0,5% sobre o salário desde que com a expressa concordância do empregado (proteção parcial). Além disso, a microempresa será isenta das contribuições do salário educação, dos "Ss" e da contribuição sindical. A contribuição previdenciária dos empregados será de 8% sobre o salário de contribuição referente a primeira faixa de renda. A contribuição da empresa, repetindo, será de 1,5% sobre o faturamento.
Além disso, o programa facilita o re-ingresso dos trabalhadores que abandonam o recolhimento à Previdência Social. O valor dos juros das prestações atrasadas será limitado a, no máximo, 50% do atual. O tempo pago será contado para fins de aposentadoria.
A exceção da aposentadoria por invalidez e idade e o seguro-desemprego, todos os demais benefícios podem ser usados pelo trabalhador que se vincular à Previdência Social. Serão exigidos pagamentos durante 12 meses anteriores antes de gozar o benefício (proteção parcial).
Como se vê, o programa está repleto de proteções parciais. Ele se dirige primordialmente aos produtores e prestadores de serviços individuais (que podem ter empregados), aos camelôs, vendedores ambulantes, enfim, aos que vivem de "bicos" e que ganham até R$ 3.000 por mês, em média. Tirando os custos de produção, são pessoas cuja remuneração líquida fica entre R$ 700,00 e R$ 1.000,00 por mês.
Trata-se de uma população imensa. Segundo a Associação Nacional da Micro e Pequena Indústria (ASSIMPI), cerca de 11 milhões de "empresários" e 43 milhões de trabalhadores encontram-se na informalidade. O SEBRAE tem uma estimativa mais modesta. Ainda assim, considera haver cerca de 9 milhões de empresas informais.
O projeto se justifica. É melhor ter um conjunto de proteções parciais do que nenhuma proteção. A idéia de simplificar o registro das microempresas, reduzir ao mínimo as exigências de escrituração, diminuir ao máximo os impostos e contribuições sociais e estimulá-las a formalizar seus empregados é realista e oportuna.
Na parte trabalhista, as principais mudanças em relação ao sistema atual são: redução drástica do FGTS e fixação de uma alíquota de 1,5% do faturamento para o INSS.
Da forma como foi proposto, é difícil estimar a redução das despesas de contratação provocadas pelo referido projeto porque a contribuição do INSS, deixa de incidir sobre a folha de pagamentos e passa incidir sobre o faturamento da nova microempresa.
Fazendo uma hipótese de que essa microempresa fature R$ 36.000,00 por ano e tenha dois empregados, ganhando o salário mínimo (260,00 mensais ou R$ 6.240,00 anuais), a situação do novo programa se compara da seguinte maneira em relação à situação atual. A microempresa terá uma despesa previdenciária de R$ 540,00 (1,5% do faturamento). No caso em tela, isso equivale a 8,6% da sua folha salarial anual. Trata-se de uma redução substancial. O FGTS será de apenas 0,5%. Ademais, todas as contribuições do Grupo A (Tabela 9) serão isentas, o que significa outra importante redução de despesas. Mais do que isso, tais verbas terão um impacto muito menor nas incidências sobre as demais verbas da tabela. Nessas hipóteses, as despesas de contratação caem de 103,46% para 62,85%.
Tabela 9 - Despesas de Contratação de Horistas em duas Modalidades de Contratos
Tipos de Despesas |
% sobre o Salário |
Grupo A –Obrigações Sociais |
CLT Atual |
PLP 210 |
Previdência Social |
20,00 |
8,60* |
FGTS |
8,50 |
0,50 |
Salário Educação |
2,50 |
0,00 |
Acidentes do Trabalho (média) |
2,00 |
0,00 |
SESI/SESC/SEST |
1,50 |
0,00 |
SENAI/SENAC/SENAT |
1,00 |
0,00 |
SEBRAE |
0,60 |
0,00 |
INCRA |
0,20 |
0,00 |
Subtotal A |
36,30 |
9,10 |
Grupo B –Tempo não Trabalhado I |
|
Repouso Semanal |
18,91 |
18,91 |
Férias |
9,45 |
9,45 |
Abono de Férias |
3,64 |
3,64 |
Feriados |
4,36 |
4,36 |
Aviso Prévio |
1,32 |
1,32 |
Auxílio Enfermidade |
0,55 |
0,55 |
Subtotal B |
38,23 |
38,23 |
Grupo C –Tempo não Trabalhado II |
|
13º Salário |
10,91 |
10,91 |
Despesa de Rescisão Contratual |
3,21 |
0,20** |
Subtotal C |
14,12 |
11,11 |
Grupo D –Incidências Cumulativas |
|
Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B |
13,88 |
3,48 |
Incidência do FGTS s/13º sal. |
0,93 |
0,93 |
Subtotal D |
14,81 |
4,41 |
TOTAL GERAL |
103,46 |
62,85 |
(*) e (**) Estimativas baseadas nas hipóteses acima. Ver texto.
A idéia de primeiro formalizar a empresa para depois formalizar os empregados é consistente. Como vimos, o PLP 210/2004 permite uma redução de, pelo menos, 40% nas despesas de contratação. Trata-se de uma boa redução. Mas, é claro, o julgamento de seu real valor depende da avaliação dos novos microempresários. Há alguma maneira de se antecipar isso?
Em pesquisa realizada em São Paulo em 2002 junto a trabalhadores por conta própria do setor informal, a maioria dos entrevistados considerava desvantajoso filiar-se à Previdência Social pagando 20% de sua renda bruta, devido à baixa qualidade dos benefícios. Cerca de 39% classificavam os atuais benefícios da Previdência Social como ruins os péssimos; 33% consideravam-nos regulares; e apenas 25% avaliavam os benefícios como bons ou ótimos (Datafolha, 2002b).
No caso do PLP 210/2004, as despesas com a Previdência Social são bem menores. É provável que uma parte dos trabalhadores por conta própria venha a aderir ao Programa. Mas, se o projeto for ampliado para as atuais micro e pequenas empresas, como faturamento superior a R$ 36.000,00 por ano, a adesão deverá ser muito maior.
Essa é também a opinião dos operadores de instituições que lidam com microempresas. Silvano Gianni, ex-Presidente do SEBRAE Nacional, vê o PLP 210/2004 na direção correta, incidindo, porém, sobre uma população de renda muito baixa, cuja maioria, vive há muito tempo em regime de trabalhos erráticos do mercado informal. Por isso, pensa que tais medidas deveriam ser estendidas às micro, pequenas e médias empresas em geral.
Nesse sentido, o SEBRAE elaborou em 2004 um projeto mais ambicioso – o "Super-Simples" – que cobre as microempresas, as empresas de pequeno porte e os profissionais liberais, unificando os impostos e o registro (federal, estadual e municipal) dos que faturam até R$ 480.000,00 por ano e das empresas de pequeno porte com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões anuais. Hoje, como se sabe, o Programa SIMPLES beneficia apenas as microempresas com faturamento anual de até R$ 120.000,00 e as empresas de pequeno porte com faturamento de até R$ 1,2 milhão por ano.
Segundo a proposta do SEBRAE, haveria uma tributação progressiva – mas suave – em relação ao faturamento. Atualmente, o Programa SIMPLES, para empresas que faturam até R$ 120.000,00 anuais tem uma alíquota única de impostos federais de 3,5%. Para as que faturam R$ 1,2 milhão, a alíquota é de 5,9%. E, acima desse patamar, a tributação é pelo lucro presumido com alíquota de 16% - salto muito grande e que poucas empresas conseguem realizar. Por isso, o "Super-Simples" propõe uma progressão bem suave, com alíquotas que variam de 3% a 18% e um redutor que pode chegar a R$ 16.000,00.
O importante no PLP 210/2004, porém, é a presença de dois conceitos novos. O primeiro diz respeito à escolha que é dada ao trabalhador e à empresa de negociarem o valor da alíquota do FGTS. O segundo se refere à criação de um regime previdenciário no qual o benefício da aposentadoria se restringe ao que foi contribuído – uma aproximação ao sistema de capitalização.
Esses dois conceitos são a alma dos programas de mudança utilizados em outros países. Se eles forem incorporados na moldura institucional brasileira, poderão ser estendidos para outros programas, abrindo-se um espaço para se negociar vários itens da Tabela 1 referente às despesas de contratação do trabalho.
Ao lado da informalidade dos empregados, como se vê pelos números acima, há a informalidade de outras categorias de trabalhadores. Uma das mais expressivas é a dos trabalhadores por conta própria. A sugestão que se aplica aos empregados – Simples Trabalhista – não tem utilidade para os trabalhadores por conta própria. Neste caso, as mudanças necessárias caem no campo da Previdência Social.
Um dos problemas do PLP 210/2004 para os trabalhadores por conta própria é a falta de obrigatoriedade. Os trabalhadores se vincularão ao programa e à Previdência Social se quiserem. No âmbito do projeto, não há o que fazer com os que rejeitarem aderir.
Para contornar esse problema, poder-se-ia pensar em uma solução que fosse acompanhada de um mandamento legal. A sugestão é a seguinte.
Desde a época de Hélio Beltrão, Ministro da Desburocratização nos idos dos anos 80, se discute a criação de um cartão único de identificação que conteria os dados que hoje estão espalhados em vários documentos (carteira de identidade, carteira profissional, inscrição na Previdência Social, etc).
Além de se promover uma colossal redução de pessoal e despesas para a máquina pública, o Estado teria mais facilidade para verificar o cumprimento dos deveres dos cidadãos. Para estes, haveria uma simplificação enorme na hora de obter os benefícios sociais (seguro-desemprego, tratamento médico, aposentadoria e pensão, programas de treinamento e outros), eliminando-se ainda a dor de cabeça que se tem para no caso de perda ou roubo, tirar segundas vias dos diversos documentos. A redução da burocracia e das despesas com a Previdência Social associada ao cartão único simplificariam e estimulariam a adesão ao sistema previdenciário. Hoje em dia, para um vendedor ambulante se formalizar requer-se registro de contrato social em Junta Comercial, inscrição no CNPJ, aquisição de alvará de funcionamento na Prefeitura, registro estadual ou municipal, registro no INSS e inscrição no sindicato da categoria. É muita burocracia e excesso de despesas. Tudo pode ser simplificado com o cartão único.
O Japão adotou essa medida em 2002. Através de um cartão magnético, o governo interligou os vários sistemas de informações governamentais. O cartão tem onze dígitos e contém 93 informações o que permite identificar o nome e endereço dos 126 milhões de japoneses, assim como o sexo, idade e sua situação perante os órgãos dos governos municipais, provinciais e nacional, inclusive polícia e Justiça – e vários outros dados (FPCJ, 2002). Os Estados Unidos adotaram o "social security card" em 1935, um cartão único que contém várias informações pessoais, trabalhistas e previdenciárias – (Social Security, 2003). No Canadá, o mesmo procedimento teve início em 1964 (SIN, 2003). Nos países escandinavos e na Coréia do Sul a prática é utilizada igualmente (FPCJ, 2002). No Brasil, já há várias sementes plantadas nesse campo. A Lei 9.454/97 instituiu o "número único" do registro da identidade civil e aguarda regulamentação.
No tempo de Hélio Beltrão, quando a idéia foi lançada (idos dos anos 80), as dificuldades técnicas eram imensas. Hoje em dia, os avanços da informática viabilizaram a organização de grandes bancos de dados. Não há restrição técnica para se implantar um cartão desse tipo. Aliás, em 1994, Ministério da Previdência e Assistência Social criou o Cadastro Nacional de Informações Sociais, integrando vários bancos de dados - com excelentes resultados. Aquele ministério já emitiu um cartão magnético para os contribuintes individuais com o fim de facilitar a sua contribuição ao INSS. A Caixa Econômica Federal possui um "cartão cidadão" para conferência imediata do saldo do FGTS dos trabalhadores. Um estudo elaborado por Carlos Galeão, especialista em informática, mostra que os recursos tecnológicos hoje disponíveis podem viabilizar a criação de um "Cartão do Cidadão" de grande abrangência, podendo incluir informações pessoais, trabalhistas, previdenciárias, criminais, eleitorais, de trânsito, de passaporte e várias outras (Galeão, 2003). Ou seja, o Brasil tem condições para implantar um cartão único. Isso poderá ser de grande valia para combater a informalidade.
O cartão único seria obrigatório. Todos os brasileiros teriam de possuir esse cartão. Ele funcionaria como uma espécie de "passaporte da cidadania". No caso, seria uma maneira de "convencer" os 47,5 milhões de trabalhadores que hoje estão na informalidade a se filiarem, gradualmente, a um sistema previdenciário. Sem o cartão, eles ficariam impedidos de realizar transações e ter acesso aos benefícios públicos.
É claro que a medida não é milagrosa. Ela teria de se incorporar na inconclusa reforma da Previdência Social. O sistema de aposentadoria para estes casos teria de se basear no regime de capitalização. O contribuinte do setor informal recolheria o que desejasse – talvez com um pagamento mínimo de R$ 10,00 ou R$ 15,00 por mês. O valor da aposentadoria seria proporcional à contribuição do trabalhador. Na medida em que ele fosse melhorando de vida, poderia aumentar sua contribuição mensal, podendo chegar ás condições de aposentadoria de quem está sob o regime da CLT atual.
Com a implantação do cartão único, muitas fórmulas criativas poderiam ser praticadas para incluir milhões de pessoas que hoje estão fora do sistema previdenciário. Até mesmo as beneficiárias dos programas de renda mínima, bolsa-família, vale-alimentação etc., no recebimento do benefício, poderiam entrar com uma contra-partida (por exemplo, R$ 15,00), o que lhes daria direito a usufruir os benefícios da Previdência Social depois de um certo número de pagamentos consecutivos (por exemplo, 12 meses).
Isso significa que a redução da informalidade exige mudanças específicas. Para os empregados e empregadores, convém promover mudanças que viabilizem um "Simples Trabalhista". Para os trabalhadores por conta própria, convém insistir em regime especial da Previdência Social, baseado nos princípios acima enunciados e atrelado ao "cartão único".
Em conclusão, a resolução dos problemas de desproteção social depende de uma reforma trabalhista e previdenciária. A trabalhista, através de negociação e reduções de despesas de contratação, especialmente para as micro e pequenas empresas, estimulando-as a contratar mais empregados com proteções legais mínimas. A previdenciária, voltada principalmente para os trabalhadores por conta própria, com vistas a estender para eles os benefícios previdenciários fundamentais. Combinadas, as duas ajudariam a reduzir o problema da informalidade e o déficit público o que, por sua vez, estimularia os investimentos públicos e privados e o emprego e o trabalho de boa qualidade.
BIBLIOGRAFIA CITADA
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