Publicado em Jornal da Tarde, 06/04/2005.
Previdência Social: falta de pontaria
A intenção do novo Ministro da Previdência Social de reduzir as despesas com o auxílio-doença é pertinente. No período de 1999 a 2004 o número de auxílios concedidos cresceu cerca de 25% ao ano.
Muitos fatores respondem por esse estranho aumento. Alguns estudiosos acreditam que a avalanche de concessões deveu-se aos critérios "mais tolerantes" dos médicos credenciados (terceirizados), uma vez que o INSS não tem recursos para empregar profissionais próprios.
Adiciono a essa hipótese a calamidade em que se encontra o sistema público de saúde. Se o trabalhador não é adequadamente atendido pelo SUS e continua doente, ele não pode trabalhar e recorre à Previdência Social. Vejam o colapso da saúde no Rio de Janeiro e observem as intermináveis filas que se formaram na semana passada no hospital de campanha, montado pela Marinha.
Ao tornar mais difícil a concessão do auxílio doença, o Ministro Romero Jucá espera economizar cerca de R$ 5,8 bilhões este ano – uma meta ambiciosa.
É claro que todos os ralos do sistema previdenciário devem ser tapados. Mas querer resolver um déficit de R$ 38 bilhões com um arrocho em cima dos trabalhadores doentes não é suficiente - além de desumano e injusto para grande parcela dos necessitados.
O maior ralo da Previdência Social decorre da espantosa informalidade que não pára de crescer. Hoje há, pelo menos, três tipos de informalidade. O primeiro é a das empresas que, segundo estimativas recentes, responde por 40% do PIB – são pessoas físicas e jurídicas que lesam o fisco de todas as maneiras, não recolhendo impostos e contribuições, inclusive a previdenciária. É a turma que há muito tempo está no gozo da desobediência civil.
O segundo tipo de informalidade se refere aos trabalhadores que não têm vínculo com a Previdência Social. Em 2004, o Brasil tinha 79,3 milhões de pessoas trabalhando. Cerca de 47,5 milhões (60%) estavam no mercado informal. Destes, 19,2 milhões eram empregados que não têm registro em carteira de trabalho porque a maioria trabalha em empresas de pequeno porte que não têm de fazê-lo. Cerca de 17,2 milhões eram trabalhadores por conta própria cujo vínculo com a formalidade depende de um regime previdenciário especial sobre o qual muito se fala, mas nada se fez até agora. Mais de 4,3 milhões eram empregados domésticos não registrados. Aproximadamente 5,7 milhões trabalhavam sem remuneração, a maioria na zona rural, ajudando parentes na lavoura familiar ou no comércio e serviços. E mais de 1,1 milhão eram empregadores informais. São 47,5 milhões de brasileiros que nada recolhem e usam bastante a seguridade social.
O terceiro tipo de informalidade é a do sub-registro na carteira de trabalho como ocorre com freqüência com muitas empregadas domésticas que são contratadas por R$ 500,00 e registradas por R$ 260,00 (salário mínimo). Essa prática é impera em vários outros setores, desde a construção civil até a agricultura e passando pelos pequenos estabelecimentos industriais e comerciais.
Quando se junta esses três tipos, ficamos diante de números gigantescos e que geram um rombo infinitamente maior do que o dos trabalhadores doentes. É aí que está o olho do furacão do pavoroso déficit da Previdência Social que só pode ser resolvido com a modernização das leis trabalhistas e previdenciárias e conseqüente redução da informalidade.
Temos de ser realistas. Nossas instituições do trabalho não estão atualizadas para organizar a realidade brasileira. Sem desmerecer o plano do novo Ministro, a Previdência Social precisa fazer pontaria naquilo que causa a maior parte do seu déficit.
O Brasil está prontinho para uma nova reforma previdenciária. Mas esta terá de ser acompanhada de reformas nas leis do trabalho e na estrutura tributária.
Reformas desse tipo são sempre impopulares. Mas os verdadeiros estadistas antes de articular sua reeleição, buscam atacar os problemas centrais da sociedade para entregar às próximas gerações um país mais justo. Será que temos governantes desse tipo?
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