Publicado na Folha de S. Paulo, 22/08/1987
As lições da greve
Desta vez não fiz pesquisa. Simplesmente conversei com muitos operários e suas esposas nos dias que antecederam a greve geral. Não estava interessado em números, mas nas preocupações reais dos trabalhadores. Os depoimentos foram eloqüentes. Não havia a menor propensão para greve. O sentimento mais comum entre as mulheres era o medo do desemprego do marido: "Todo dia pergunto ao meu marido como está a situação lá na fábrica, pois, na televisão e no rádio, só escuto notícia de desemprego". Outras me disseram: "A vida está dura com meu marido trabalhando; imagine se ele perder o emprego. Deus me livre". Foi freqüente ouvir também: "Aqui na redondeza, tem gente procurando emprego há mais de seis meses e nada... Só aparece coisa de salário mínimo e olha lá".
A apreensão das esposas, por certo, estava impregnada também nos maridos. Apesar de estarmos longe do processo recessivo de 1981-83, o medo do desemprego está no ar. A população sente que arranjar bons empregos não está fácil.
Os depoimentos dos trabalhadores revelaram igual preocupação em manter o emprego e ainda em ganhar o resíduo salarial pendente: "A hora é de cutucar a onça de leve: O que me interessa mesmo é o resíduo, pelo menos em duas parcelas". Outro operário me disse: "Espero que o patrão me quebre o galho este mês: os Cz$250,00 do Sarney ajudaram, mas foi pouco". Foi comum ouvir também: "Greve geral não vai resolver o meu caso. Eu preferia que o Jair Meneguelli me descolasse um aumentozinho aqui na fábrica".
Esses são exemplos de dezenas de depoimentos colhidos nas fábricas de São Paulo. O clima não era de greve. Transformar preocupações tão imediatas em mobilização geral era uma missão impossível. O Joaquinzão e o Meneguelli subestimaram a importância do componente psico-social. Os trabalhadores simplesmente não acreditavam que uma greve geral poderia conseguir o que mais desejavam, ou seja, assegurar o emprego e obter o resíduo. Houve, portanto, profundo erro de avaliação por parte da CUT e CGT.
Por outro lado, seria falso dizer que a greve fracassou porque o povo está feliz com os resultados da atual política econômica. Ao contrário, o povo está amedrontado. Percebe que a qualquer momento os preços podem disparar de novo e que bons empregos estão escassos. Para o trabalhador, mais apavorante do que a repressão do piquete é o fantasma da recessão. Como me disse um operário: "A hora é para se fingir de morto, pois a água está no pescoço e pode subir na cabeça".
O 20 de Agosto, assim, mostrou que greve geral não constitui fórmula eficiente para expressar o descontentamento popular. O 12 de Dezembro de 1986 já havia demonstrado a mesma coisa. Entretanto, isso não quer dizer que o descontentamento não existe. Tampouco significa que o descontentamento jamais será vocalizado. O governo que não se engane a este respeito. Ele que ponha suas barbas de molho – bom dia Andréa Calabi – pois os descontroles do déficit público e as orgias com o dinheiro público poderão jogar este país no caos e, aí sim, quando já não se tem mais nada a perder, um Lula e um Brizola encontrarão eco para, até num domingo, levar duzentas mil pessoas à praça pública. Se a greve fez o governo pensar que a situação econômica está sob controle, ela terá prestado um grande desserviço à nação. A hora não é de comemorações. Ao contrário, é de ação conseqüente. O povo quer saber agora do governo como será administrado o seu descontentamento daqui para frente.
|