Publicado na Revista Relações do Trabalho, Confederação Nacional da Indústria, abril de 2005.
A filosofia da reforma sindical
José Pastore
Inúmeros fatores têm causado estragos na filiação e nas finanças dos sindicatos de trabalhadores na maior parte do mundo. Dentre eles estão o desemprego, a redução do das mega empresas, a multiplicação de pequenas, a desindustrialização, a expansão do comércio e serviços com unidades atomizadas, a terceirização de atividades, o avanço tecnológico, a privatização, a concorrência internacional, a globalização e a frenética movimentação de empresas e empregos de um país para outro.
Tudo isso vem ocorrendo desde meados dos anos 80. Ficou difícil recrutar filiados em milhões de pequenas empresas que, junto com as grandes, formam cadeias e redes de produção e comercialização, que, como um caleidoscópio, modificam-se a cada momento. Ademais, é quase impossível conquistar adeptos entre trabalhadores que ora são empregados, ora são autônomos; ora estão na formalidade, ora na informalidade; ora trabalham na empresa contratante, ora na contratada – afora aqueles que perdem os empregos porque estes se foram para outros países. Finalmente, com as negociações descentralizadas ficou impraticável para os sindicatos atender os trabalhadores no nível das empresas.
Não há dúvida. A revolução que se processa no mundo do trabalho dificultou a vida dos dirigentes sindicais. Mesmo na União Européia, onde os sindicatos têm bases sólidas, a filiação cai dia a dia e os dirigentes não conseguem se fazer presentes nas negociações nas empresas.
Além desses, outros motivos complicaram o cotidiano dos dirigentes sindicais. Na Holanda, por exemplo, a credibilidade dos sindicatos caiu em decorrência do aumento do tempo parcial, cuja força de trabalho é altamente feminizada e pouco interessada do movimento sindical. Na Alemanha, os sindicatos foram abalados por uma verdadeira corrida de empresas em direção a várias regiões do mundo, em especial, à Polônia, Hungria, República Checa e outros países que formam a nova União Européia.
Em suma, as pesquisas mostram que os sindicatos europeus não conseguiram acompanhar as mudanças econômicas, tecnológicas e sociais da região, tendo perdido presença junto às negociações nas quais se definem as condições de trabalho dos filiados e não filiados (Jeremy Waddington e Reiner Hoffmann, organizadores, Trade unions in Europe, Bruxelas: European Trade Union Institute, 2000). Para os autores desse estudo, isso é grave, pois em última análise, os sindicatos só ficam fortes quando se enraízam nos locais de trabalho.
Fez sentido, portanto, o chamamento do Presidente Lula na Conferência Internacional do Trabalho realizada na OIT, em Genebra, no dia 02/06/2003: "Se as organizações sindicais não adotarem uma nova atitude, perderão espaço para outras organizações do movimento social".
Na Europa, com raras exceções, o enfraquecimento sindical vem ocorrendo há uns 20 anos. Mas os sindicatos não morreram. Ao contrário, eles reagiram de várias maneiras inteligentes. Uma delas foi aproximando-se do governo. Hoje, as centrais sindicais integram colegiados governamentais para tratar de assuntos de saúde, previdência, emprego, educação, formação de mão-de-obra, etc., exercendo influência na formação de políticas públicas que redundam em benefícios para os trabalhadores e ônus para as empresas. É o "neo-corporativismo" - um sindicalismo bem diferente do americano ou do japonês, que se concentra basicamente na prestação de serviços de negociação aos seus filiados junto às empresas.
Um outro tipo de reação foi a participação das entidades sindicais na cunhagem de leis que lhes garante um mínimo de sobrevivência no meio de tanta diversificação, heterogeneidade e atomização. No caso da União Européia, as centrais sindicais têm influenciado na formulação de leis e de contratos coletivos que induzem as empresas a aceitar a "descentralização centralizada", articulando-se, assim, a força da cúpula das centrais com a força da base das representações nos locais de trabalho.
Guardadas as devidas diferenças, no Brasil também se nota a coexistência de entidades sindicais perdedoras nos campos do emprego e salário e ganhadoras nos órgãos estratégicos dos quais participam como, por exemplo, os conselhos do BNDES, FAT, FGTS e vários outros, sem falar na sua articulação com o Ministério Público e Ministérios do Trabalho, Justiça e Previdência Social e com as comissões estratégicas no Congresso Nacional de onde saem as grandes políticas no campo do trabalho. Vejam com que rapidez que se aprovou a lei que garante empréstimos com juros baixos, desde que descontados nas folhas de pagamento.
Com a reforma sindical que ora se desenha, nota-se claramente a busca de uma legislação que fortaleça a cúpula (centrais sindicais) e a base (representação nos locais de trabalho) para garantir o êxito da atividade sindical mesmo em ambientes descentralizados, terceirizados e diversificados. Aliás, esse modelo está nos textos da CUT desde os primeiros anos da década de 90 quando essas mudanças se acentuavam na Europa.
As idéias relativas às "leis de sustento" para reforçar a cúpula e a base constituem o cerne da PEC 369/2005 da reforma sindical, onde foram inseridos (1) o direito das centrais sindicais negociarem, assinarem contratos e processarem empresas; (2) o direito auto-aplicável do exercício da substituição processual por todas as entidades sindicais; (3) a multiplicação de representações nos locais de trabalho (com direito a negociar quando os sindicatos assim o permitirem); (4) o financiamento das entidades com recursos variáveis a serem pagos por filiados e não filiados com valores aprovados em assembléias dos sindicatos e não mais com recursos fixos de um imposto sindical; (5) e a cômoda utilização das empresas para recolher uma contribuição voluntária – a associativa.
Aprovada dessa maneira, a referida PEC, fará ressurgir no Brasil um movimento sindical em novos moldes e com forças legal e material substancialmente ampliadas.
Trata-se, sem dúvida, de uma solução engenhosa para enfrentar as dificuldades dos novos tempos. Resta saber como as empresas farão a digestão desse novo modelo e de que forma conseguirão manter a competitividade numa economia que se internacionaliza cada vez mais.
Na União Européia, esse ajuste está sendo difícil. É verdade que vários outros fatores interferem na competitividade das empresas. Mas com a entrada dos dez novos membros, que possuem trabalhadores bastante qualificados e se contentam com benefícios moderados, os 15 países originais da União Européia correm o risco de ficarem com os sindicatos fortes e uma grande massa de desempregados. A saída das empresas e dos empregos em direção ao leste europeu, sudeste asiático e a própria China é um movimento acelerado e está provocando nos sindicatos concessões que não imaginavam fazer depois de toda essa engenharia social.
Ou seja, por mais criativas que sejam as fórmulas legisladas para forçar aquilo que o mercado não comporta, pouco se consegue em matéria de harmonização entre capital e trabalho. Cria-se uma grande burocracia sindical com mecanismos complicados que, no final das contas, requer tantas adaptações que, na maior parte das vezes, acabam desfigurando o modelo ou tirando as empresas do mercado, com a destruição dos empregos.
Se for aprovada do jeito que está, a reforma sindical exigirá um rápido aprendizado, aliás, bilateral. As empresas terão de aperfeiçoar seus sistemas de partição para manter o mais precioso capital - seus colaboradores – e os trabalhadores terão de aprender a calibrar o uso de pressão para não colocar em risco a vida das empresas e a manutenção dos empregos.
Convém assinalar, finalmente, que todas essas estratégias são baseadas na filosofia da confrontação. Mas o mundo está indo para um outro lado. De uma maneira crescente, trabalhadores e empresas estão sendo chamados a cooperar e não a confrontar, porque ficou impossível vencer a guerra externa (da concorrência) sem terminar com a guerra interna (co conflito entre empregados e empregadores). Será que a nova reforma conseguirá esse feito?
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