Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/03/2005.

A reforma sindical

Com base em intensos trabalhos na base tri-partite realizados pelo Fórum Nacional do Trabalho, o Poder Executivo enviou para o Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional e um Anteprojeto de Lei que objetivam realizar a reforma sindical no Brasil.

São duas peças de grande complexidade técnica. Por isso, fica difícil uma avaliação geral das mesmas. Não se pode dizer que a reforma sindical é boa ou ruim. Há vários pontos positivos e outros negativos.

Do lado positivo, as entidades sindicais terão de ser realmente representativas e atuantes, acabando-se, assim, com os chamados sindicatos de gaveta. O custeio das mesmas será acertado pelos próprios representados. A negociação terá de ser praticada com honestidade. As condutas de má fé serão punidas. Os negociadores ganham liberdade para escolher o mecanismo que acharem mais útil para resolver seus conflitos – auto-composição, arbitragem ou Justiça do Trabalho. A greve fica mais disciplinada. Durante a paralisação, os sindicatos terão a responsabilidade de manter os serviços mínimos que garantam a segurança dos trabalhadores e dos equipamentos das empresas.

Mas há inúmeros pontos controvertidos. Um dos mais sérios diz respeito à "substituição processual" – dispositivo que dá às entidades sindicais (sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais) o direito de acionar as empresas em nome de seus representados sem a sua autorização ou até mesmo contra a sua vontade. Isso constitui uma poderosa arma legal que, se mal usada, pode desequilibrar as relações do trabalho - um assunto delicado e complicado a ser decifrado e ajustado pelo Congresso Nacional.

Outro ponto polêmico se refere à imposição por lei, de uma comissão de empregados eleita pelos sindicatos para atuar nos locais de trabalho, com o propósito de melhorar o entendimento entre empregados e empregadores mas com prerrogativas para obter informações sobre as empresas e realizar negociações internas. No Fórum Nacional do Trabalho, os empregadores gostaram da idéia de se buscar a harmonia dentro das empresas, desde que isso seja acertado por negociação como ocorre hoje com as comissões instaladas em várias montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças. O que está em jogo não é a comissão, mas o método de organizá-la. O Congresso Nacional terá de conciliar a metodologia da lei com a metodologia da negociação.

Haverá um grande fortalecimento material e legal das entidades laborais.

Uma questão subjacente é o descolamento da reforma sindical da reforma trabalhista, que fazem parte do todo.

Emprego não é "commodity". Precisa ser regulado. Mas a regulação pode ser feita por lei ou por negociação. Modernamente, há uma tendência de mesclar os dois sistemas: o grosso da regulação é negociado e os direitos básicos são garantidos por lei. No Brasil dá-se o inverso. A lei permite negociar apenas o salário e a participação nos lucros e resultados. Todos os demais direitos são inegociáveis.

Tem-se uma lei de tamanho único que se aplica desde os fabricantes de aviões até as barbearias, dentro de um mercado de trabalho que é extremamente heterogêneo no qual cerca de 95% das empresas são de pequeno porte e respondem por 50% da força de trabalho empregada. É aí onde a lei rígida cria a maior dificuldade. O engessamento é total e a informalidade é explosiva. Do lado das grandes empresas, a lei é cumprida mas a custa de verdadeiros exércitos de funcionários dos departamentos de pessoal e jurídico dedicados a administrar a enorme burocracia e as despesas geradas pelo atual cipoal das leis trabalhistas - o que acaba sendo passado para os preços dos bens e serviços.

Ao fortalecer o sindicalismo laborar sem dar espaço para as empresas trocarem na mesa de negociação, o Brasil corre o risco de ver elevado o nível de conflitos e a própria informalidade. Esta é uma questão a ser bem pensada pelos legisladores. É impossível conseguir-se um equilíbrio quando se reforça um lado e se engessa o outro. Pior. Isso espanta investimentos e inibe a geração de empregos.

A reforma sindical tem seu valor. Ela trará à tona as mazelas do sistema atual e a necessidade de se realizar uma ampla modernização das três instituições básicas no campo do trabalho: a organização sindical, as leis trabalhistas e a Justiça do Trabalho. Será um rico debate. Muitas audiências públicas. Várias discussões na mídia. Teremos uma preciosa oportunidade para examinar a fundo os problemas do trabalho e para orientar o Brasil no caminho da modernidade. Isso será de grande valia para os trabalhadores, as empresas e a economia do país.