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Publicado no Jornal da Tarde, 02/03/2005.

O trabalho na China

Língua e precariedade de dados têm dificultado a estimação do custo do trabalho na China. Mas é certo que as diferenças entre a remuneração no campo e nas cidades são imensas. Mesmo nas cidades a variação é grande.

Um estudo recente e baseado no Censo do Trabalho na China indicou salários industriais nas cidades que variaram entre o equivalente a US$ 1.06 e US$ 0.45 por hora. O salário médio é de US$ 0.64 por hora (Judith Banister, "How cheap is Chinese labor?, BusinessWeek, 13/12/2004).

Como isso se compara com a situação do mundo ocidental? A diferença é fenomenal. Enquanto a China paga, em média, US$ 0.64 por hora trabalhada, os Estados Unidos pagam US$ 21.11. Levando em conta as diferenças de custo de vida, os US$ 0.64 compram US$ 2.96 nos Estados Unidos.

Esse abismo salarial faz muita diferença nos custos de produção e no preço dos produtos. As indústrias chinesas de confecções, calçados, aparelhos elétricos e eletrônicos, materiais plásticos e outros conseguem produzir bens de consumo que chegam a ser 50% mais baratos do que os fabricados nos Estados Unidos. Muitas empresas americanas fecharam suas plantas nos Estados Unidos e se mudaram para a China onde encontraram condições mais propícias para produzir e vender, mesmo pagando, muitas vezes, salários superiores à média de US$ 0.64 por hora. De 2000 a 2004, estima-se que 2,7 milhões de empregos foram destruídos nos Estados Unidos. Para quem ficou no país, a regra passou a ser: "Os chineses estão chegando. Corte seus preços ou perca os seus fregueses".

Entre os dois países há uma verdadeira guerra comercial. Os americanos estão deixando o dólar se desvalorizar na esperança de desestimularem as exportações chinesas para os Estados Unidos. Mas, com essa enorme diferença no custo do trabalho, a desvalorização até agora praticada não conseguiu arrefecer a agressividade chinesa.

O quadro tende a se complicar. As fábricas da China estão oferecendo benefícios que são atraentes para trabalhadores que migraram do campo para a cidade. Na província de Yue Yuen (sul da China), por exemplo, uma fábrica de calçados tem 70 mil empregados. É uma verdadeira cidade, com infra-estrutura própria, dormitórios, cantinas, serviço de correio, telefones, cinema, creches, escolas, clínicas e até um hospital com 100 leitos. A jornada de trabalho é puxada – 11 horas por dia e seis dias por semana. Mas, para quem veio do campo, onde não havia nada disso, a situação melhorou. A maioria dos trabalhadores é jovem. Há um grande número de mulheres. Todos põem muita fé no futuro.

Na China as escalas de produção são colossais. Para se ter uma idéia, um terço dos sapatos vendidos no mundo provém da região de Guangdong, onde está Yue Yuen.

Para os padrões ocidentais as condições de trabalho continuam detestáveis. Além das jornadas extenuantes, os trabalhadores dormem dez em um quarto. Mas este tem, ao lado, um chuveiro com água quente e refeições limpas. O domingo livre é dia de festa. É quando os jovens usam o cinema, as cantinas e os salões de baile. Para os recém chegados nas cidades, eles se sentem no céu. Forma-se, assim, uma nova geração de trabalhadores industriais satisfeitos e que formarão uma classe média diferenciada para os padrões da China. Será uma inegável ascensão social.

O crescimento da China tem sido espantoso – 9% ao ano durante quase três décadas. As diferenças salariais vão perdurar por muito tempo. Mas as condições de trabalho continuarão melhorando.

É um desafio para todos os países do mundo ocidental, inclusive o Brasil. Afinal, a China concorre com o Brasil em inúmeros mercados. Ninguém advogará, é claro, a redução dos salários brasileiros aos padrões da China. Mas o Brasil terá de aumentar muito sua eficiência para continuar competindo e empregando brasileiros. É o jogo da globalização dos desiguais.