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Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/12/2004.

Migração e terceirização

Os atentados de 11 de setembro de 2001 provocaram uma grande revolução nas políticas de imigração dos países desenvolvidos, afetando milhares de pessoas que desejavam estudar ou trabalhar no exterior. Nos Estados Unidos, o corte nos pedidos de visto de estudantes atingiu o recorde de 35% em 2003. Em contrapartida, países como Canadá, Austrália a Nova Zelândia aumentaram a sua agressividade na captação de estudantes estrangeiros.

A análise e liberação de vistos para os Estados Unidos estão tomando um tempo infindável. O Departamento de Estado estima existir uma fila de 3,8 milhões de pessoas esperando por uma solução dos consulados e embaixadas em todo o mundo.

As dificuldades não são apenas para estudantes. O número de profissionais especializados que entraram nos Estados Unidos em 2003 foi 65% menor do que em 2002, totalizando menos de 15 mil pessoas – um número irrisório quando se consideram as necessidades daquele país ("Keeping out the wrong people", Business Week, 04/10/2004).

Restrições severas foram igualmente estabelecidas em toda a União Européia. A Alemanha, Inglaterra e Holanda, que haviam criado incentivos para recrutar pessoal especializado antes de do ano 2000, passaram a fazer sérias restrições à entrada de estudantes, técnicos e cientistas depois da tragédia de Nova Iorque (Andrés Solimano e Molly, Pollack, "International Mobility of Highly Skilled", 2004).

Dificuldades para migrar já ocorreram em outras épocas. Entre 1914 e 1945, por exemplo, inúmeros países da Europa rejeitaram os refugiados do nazismo e fascismo. Nos anos 70, a recessão que assolou várias economias do mundo, levou a Europa e os Estados Unidos a se trancarem em si mesmos, barrando a entrada de imigrantes.

A presença constante do terrorismo nos últimos anos justifica cuidados. Mas as medidas tornam-se perniciosas quando, em nome da segurança, os países ricos passam a barrar pessoas que podem desenvolver seus talentos e colaborar com as nações hospedeiras.

O fato é que, enquanto alguns países barram o pessoal de alta qualificação, outros os atraem. É o caso da Índia, China e Cingapura, por exemplo. Profissionais especializados estão se tornando abundantes nesses países a ponto de atraírem os empregos das nações desenvolvidas, em especial dos Estados Unidos e União Européia.

Uma grande parte da terceirização maciça que vem sendo feita no exterior ("outsourcing") é devida a rigidez das restrições que as nações mais ricas impuseram à imigração. Com isso, os empregos estão indo para a Ásia, Europa Oriental e outras regiões nas quais existe bons sistemas de ensino ou, pelo menos, nichos importantes de especialistas em ciências e engenharia.

Atualmente, o problema só vem se agravando. Em 2003, as universidades americanas receberam menos 20% de estudantes estrangeiros em relação a 2002, estimando-se uma outra queda de mais 18% para 2004. Tratam-se de estudantes que passaram nos rigorosos testes. As escolas e os professores estavam preparados para recebê-los. O impedimento veio da negativa de visto.

Os estudantes estrangeiros sempre constituíram uma rica fonte de recrutamento para as empresas selecionarem engenheiros, pesquisadores e cientistas treinados no mais alto padrão e em nível de doutorado (Ph.D.). Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia, sempre defendeu que as oportunidades para os bons estudantes assim como para os profissionais especializados deveriam ser ilimitadas, tamanha é a sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social. Trata-se de um capital humano riquíssimo cujo investimento foi feito, em parte, por outros povos.

Apesar das promessas em contrário dos candidatos John Kerry e George Bush na última campanha presidencial, os empregos continuam voando para fora dos Estados Unidos. O mesmo ocorre na União Européia, especialmente agora que nela entraram dez novos estados-membros de bom nível educacional. Não se trata de um vôo de galinha. Segundo a previsão de estudiosos da Forrester Research Inc., até 2015, as empresas americanas terão exportado 3,3 milhões de empregos.

É claro que nesse processo entram vários fatores - diferenças de salários, benefícios pecuniários e não-pecuniários, jornadas de trabalho, etc. A restrição à migração é mais um que se soma à essa longa lista.