Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/11/2004.
A reforma trabalhista da Espanha
Participei na Associação Comercial de São Paulo de um seminário promovido pelo Instituto Tancredo Neves e pela Fundación para Análisis e Estudios Sociales (FAES) de Madrid cujo propósito foi examinar o quadro do emprego na Espanha e no Brasil à luz de mudanças lá realizadas e aqui não realizadas.
O seminário foi oportuno, pois reina no Brasil muita desinformação sobre a reforma trabalhista espanhola. Uma boa parte da imprensa, governantes, parlamentares, magistrados do trabalho e dirigentes sindicais costumam argumentar que aquela reforma agravou os problemas do desemprego e da informalidade, também chamada de precarização. Com isso, concluem, nada deve ser mudado na legislação brasileira para evitar os mesmos males.
Enquanto nada acontece, o Brasil continua com 11% de desemprego e 60% de informalidade. Vencem as vozes da reação à reforma que ignoram os dados da realidade espanhola antes e depois das mudanças. Sim, porque aquele país encadeou uma série de reformas para ajudar a criar empregos, algumas complementares e outras corretivas.
Os dados são eloqüentes. A Espanha teve uma taxa de desemprego de 24% em 1994. Foi um número espantoso e recorde no mundo desenvolvido. Para atacar o problema, o país atuou em três frentes: acelerou o crescimento, melhorou a educação e modernizou a legislação trabalhista.
Quais foram os resultados? Houve uma queda persistente do desemprego que, de 24% chegou a 10,5% em setembro de 2004 (ver tabela abaixo). Foi a maior redução em toda a União Européia. Além disso, a Espanha cortou a informalidade de 12% para 6% e os usuários do seguro-desemprego de 22% para 7%.
No âmbito da legislação, o país criou dez tipos de contratos de trabalho (tempo parcial, eventual, obra certa, interino, de formação de jovens, de estímulo às pessoas de meia idade, etc.) que foram amplamente utilizados por serem mais simples e menos dispendiosos para as empresas. São contratos que oferecem uma proteção parcial, garantindo, porém, as proteções fundamentais (previdência, seguro-acidentes, saúde, etc).
Nos primeiros anos houve abusos e, para corrigi-los, novas reformas foram introduzidas. O que aconteceu? Os contratos de menor proteção foram diminuindo e os de maior proteção foram aumentando. Entre 1997 e 2004, os primeiros caíram de 40% para 20% e os segundos subiram de 60% para 80%.
Taxa de desemprego na Espanha
(1994-2004)
Ano |
% |
1994 |
24 |
1995 |
23 |
1996 |
22 |
1997 |
20 |
1998 |
19 |
1999 |
15 |
2000 |
14 |
2001 |
13 |
2002 |
12 |
2003 |
11 |
2004 1º. Trimestre |
11,4 |
2004 2º. Trimestre |
10,9 |
2004 3º. Trimestre |
10,5 |
Ministério del Trabajo e Asuntos Sociales, 2003
e Banco de España, 2004.
Esses fatos mostram que reformas trabalhistas têm de ser contínuas e corretivas, quando necessário. Trata-se de um processo dinâmico e não de um ato estanque. Os que criticam a experiência espanhola precisam render um mínimo de respeito aos dados. Entre nós, há grande resistência em se criar contratos com proteções parciais. Por querermos o ótimo, ficamos com o péssimo. Sim porque a lei atual protege uma pequena "elite" de 40% dos brasileiros. Os demais vivem na selvageria da informalidade. Isso não é precarização?
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