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Publicado na Folha de S. Paulo, 31/12/1987

Redução da jornada de trabalho

São inúmeras as complicações criadas pela Comissão de Sistematização na área trabalhista ao tentar implantar na Constituição detalhes que são melhor tratados pela via das negociações diretas entre empregados e empregadores. Tomemos o caso da jornada de trabalho.

As lideranças sindicais, como se sabe, lutaram continuadamente pela jornada de 40 horas, enquanto que os empresários insistiram na manutenção das atuais 48 horas. Salomonicamente, a Comissão de Sistematização aprovou 44 horas, procurando agradar os dois lados.

Tal decisão, além de espúria para uma Constituição que deveria ser meramente uma Carta de Princípios, criará um problema de ordem prática bastante complicado. Escrevendo por linhas tortas, os trabalhadores podem ter conseguido o que pretendiam – ou seja – a jornada de 40 horas por semana. Por que?

Muito simples: (1) O inciso 12 do artigo 7º do projeto aprovado diz que a duração do trabalho normal não pode exceder a 8 horas diárias e 44 semanais; (2) Por outro lado, grande parte dos acordos e convenções ora em vigor assegura a semana inglesa com jornada diária superior a 8 horas para compensar o sábado. Tais contratos coletivos – nesse item – vêm se repetindo há vários anos, tudo indicando ser isso de conveniência para os empregados e para as próprias empresas.

Temos aí uma situação intrigante. O acordo garante o trabalho de segunda a sexta-feira. A Constituição garante um limite máximo de 8 horas diárias. Os sindicatos tentarão evidentemente fazer valer a cláusula contratual que, como vimos, é das mais velhas e sempre bem aceita nas negociações pelos empresários. E, além disso, tentarão fazer valer a jornada máxima de 8 horas diárias que agora, passa ser direito constitucional. Combinando-se os dois dispositivos, chega-se a 5 dias por semana de 8 horas – ou seja – 40 horas semanais.

O assunto é no mínimo discutível. É apenas um exemplo das inúmeras complicações criadas pela Comissão de Sistematização, ao insistir em ser detalhista e regulamentadora da vida de empregados e empregadores em todos os setores da economia. A empresa, querendo fazer valer a norma constitucional, tentará exigir o trabalho aos sábados o que, em si, já é uma complicação depois de tantos anos de prática da semana inglesa. Para tanto, ademais, terá de renegociar os termos do contrato em vigor e contar com a anuência dos sindicatos de trabalhadores que da mesma forma não gostarão de voltar a trabalhar aos sábados. É o tipo de coisa que nenhuma das partes deseja mas que, por obra da Comissão de Sistematização, terão de querer.

Na eventualidade de não se chegar a um acordo para se trabalhar aos sábados, os sindicatos dos trabalhadores lutarão, provavelmente, pelo pagamento de hora extra em dobro no que ultrapassar as 8 horas diárias. Mas isto também não é possível. Afinal, hora extra é medida eventual e não rotineira.

Digamos, porém, que, também por acordo, os sindicatos venham a concordar em trabalhar mais de 8 horas por dia sem demandarem hora extra. Aqui há outra complicação interessante. Pelo inciso 26 do art. 7º, a Comissão de Sistematização prevê que as reclamações trabalhistas poderão ser apresentadas ao longo de todo o período de contrato e até dois anos após a sua cessação. A empresa passa a correr o risco, assim, de ter um trabalhador arrependido que daqui a quatro ou cinco anos, resolva alegar que o acordo assinado para trabalhar mais de 8 horas por dia sem pagamento de hora extra, feriu a Constituição.

Esse é apenas um exemplo dos problemas desnecessariamente criados por uma comissão que, ao pretender ser detalhista, colocou as partes na defensiva em lugar de induzir o tão necessário clima de cooperação entre capital e trabalho. Um exame mais detalhado da matéria teria mostrado àquela comissão que nos países mais industrializados, a jornada de trabalho é estabelecida com um mínimo de lei ordinária, um máximo de negociação e muita flexibilidade entre as partes. Esse é o preço da rigidez que todos nós iremos pagar se prevalecer no plenário esse estilo detalhista e regulamentador do projeto aprovado.