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Publicado no Jornal da Tarde, 18/08/2004.

Viva a diferença...!

Você já imaginou a dificuldade de se administrar um bloco de países onde a diferença de salários vai de 1,41 a 12,61 por hora?

Esse é o caso da União Européia depois da entrada dos dez novos membros (Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, República Checa, Malta e Chipre). O salário industrial da Lituânia e da Letônia, por exemplo, é de 1,41 euros por hora, enquanto que a média dos antigos integrantes da União Européia é de 12,61 euros, sem falar na Alemanha onde chega a 20 euros (ver tabela).

Exemplos de Salário Hora na Nova União Européia

Países da União Européia

Salário industrial por hora

(em euros)

Média dos 15 antigos integrantes

12,61

Média dos 10 novos integrantes

1,60

Polônia

2,66

Republica Checa

2,05

Hungria

2,03

Estônia

1,47

Letônia

1,41

Lituânia

1,41

A entrada dos dez novos países traz esperanças de um futuro melhor e problemas para um presente turbulento. Se as barreiras de migração tivessem sido derrubadas, o mundo assistiria, provavelmente, à uma grande movimentação de trabalhadores dos novos integrantes em direção aos antigos (Alemanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Portugal, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Áustria, Finlândia e Suécia).

Mas as barreiras não foram derrubadas. Apesar da livre movimentação de trabalhadores fazer parte do Tratado de Maastrich, as 15 nações integrantes da União Européia conseguiram tornar essa movimentação proibitiva para os novos estados membros, em especial, para os ex-comunistas.

Mas isso não impede que as empresas se movimentem para o leste. Aliás, isso já vinha acontecendo antes mesmo da incorporação dos dez novos países. Aliás, a facilidade de movimentação das empresas ocasionou a abertura de um processo de mudanças nas relações de trabalho dos 15 países da União Européia.

Empresas como a Siemens, Bosch, Daimer-Benz, Volkswagen, e outras montadoras de automóveis conseguiram renegociar os atuais contratos de trabalho de modo a ampliar a jornada semanal de 35 para 40 horas - sem aumento de salários - em troca do compromisso das fábricas não se mudarem para o leste da Europa até 2012. Em certos casos, os trabalhadores abriram mão até mesmo da gratificação natalina (13º salário) em troca de um bônus que só é concedido quando os negócios vão bem.

Se isso já vinha acontecendo, o que será daqui para frente? Afinal, os dez novos integrantes da União Européia possuem uma população bem educada que, com algum treinamento específico, se transforma em altamente produtiva a exemplo do que fazem os milhares de poloneses, húngaros e outros imigrantes ilegais do leste europeu que hoje já trabalham na Alemanha por salário mais baixo e produtividade mais alta.

Aliás, os imigrantes ilegais dos dez novos membros farão de tudo para legalizarem sua situação. Por exemplo, a legislação da Dinamarca permite legalizá-los se provarem que têm um emprego. Como eles já estão trabalhando, essa será um tarefa simples. Só que daí para frente, eles vão pleitear o salário dos dinamarqueses. É bem provável que, nesse momento, a empresa se desinteresse pelos seus serviços e os coloque no desemprego. Nesse caso, eles serão forçados a voltar ao seu país de origem porque a lei dinamarquesa não garante o seguro-desemprego para tais imigrantes.

Além desse tipo de problema, há o caso dos trabalhadores trans-fronteiriços, os que moram em um país e trabalham em outro depois de uma simples viagem de trem, ônibus, moto ou bicicleta. Esses trabalhadores apresentarão maior dificuldade de controle, pois não são imigrantes e nem pleiteiam naturalização. Eles simplesmente querem aproveitar a possibilidade de ganhar duas ou três vezes mais do que ganham em seu país de origem, cruzando a fronteira diária ou semanalmente.

Como se vê, os próximos anos serão marcados por muita movimentação de empresas e de empregos e também por muitos conflitos. As diferenças são enormes e demorarão para convergir. Grécia, Portugal e Espanha, em 10 anos, conseguiram se aproveitar da sua integração na União Européia e mesmo assim muitas diferenças persistem. Será que os novos integrantes terão o mesmo sucesso em tão pouco tempo?

Para o Brasil essa revolução tem importante implicação. Quando mais rápidas forem a ampliação e a integração, mais auto-suficiente a União Européia ficará. O Brasil terá de explorar as eventuais oportunidades de exportação para gerar mais empregos internamente. Mesmo porque com as aludidas diferenças de salários, qualidade de educação e proximidade geográfica, os capitais europeus migrarão mais para o leste europeu do que para a América do Sul.