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Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/07/04.

Demografia e as contas do INSS

As contas da Previdência Social continuam desequilibradas, apesar dos inúmeros remendos acertados nos últimos tempos. O último foi o da reforma realizada em 2003 que, no campo do INSS, elevou a idade de aposentadoria e o teto de contribuição. Pela proposta do governo, a reforma reduziria o déficit da Previdência Social em 45%. Pela proposta aprovada, a economia será de apenas 15% e talvez menos – tudo a depender de decisões do Supremo Tribunal Federal sobre vários processos que ali correm sobre a matéria.

É certo que a Previdência Social precisará de vários outros remendos daqui para frente. O primeiro, e mais importante do que todos os demais somados, é a redução da monumental informalidade do mercado de trabalho no qual apenas 40% das pessoas trabalham com proteções previdenciárias e recolhem as respectivas contribuições. Os demais 60% nada recolhem, apesar da Previdência Social ter com eles uma série de obrigações que implicam em despesas pesadas e que acabam desequilibrando as contas.

A segunda mudança que se configura como inevitável é mais uma elevação na idade de se aposentar. Isso porque a população brasileira está envelhecendo muito depressa como, aliás, acontece na maior parte dos países.

A sistema de Previdência Social do Brasil se baseia em um pacto entre gerações: os mais novos sustentam os mais velhos. Por isso, é crucial analisar-se o comportamento da população através de várias décadas.

Em outras palavras, para se chegar a medidas que garantam o equilíbrio do sistema, há que se olhar para o que vai acontecer daqui a 30, 40 ou 50 anos. O que mais interessa nesse tipo de análise é a estimação não só da expectativa de vida, mas, sobretudo, da sobrevida das pessoas que atingem certa idade.

Segundo as estimativas mais recentes, a sobrevida dos homens de 60 anos é de mais 16 anos, chegando a 76. Para as mulheres, é de mais 19 anos, chegando a 79. Esses períodos vêm subindo a cada ano em decorrência da queda simultânea da fecundidade e da mortalidade.

As despesas com aposentadorias e pensões aumentam na razão direta do envelhecimento da população e na razão inversa da participação dos jovens como mantenedores do sistema previdenciário. E neste ponto o envelhecimento conta muito. A proporção de idosos (60 anos ou ais) que hoje é de cerca de 9% do total da população subirá para 22% em 2050, sendo 19% para os homens e 25% para as mulheres. Um aumento fenomenal.

Os jovens (20 anos e menos) farão o caminho inverso dos idosos. Hoje, para cada pessoa de 60 anos ou mais, há 13 pessoas entre 20 e 60 anos e que podem, potencialmente, contribuir para o sistema previdenciário. Em 2050, haverá menos de quatro jovens para cada idoso. É uma verdadeira revolução demográfica.

Em outras palavras, a demografia será implacável com a Previdência Social, ainda que se considere o que os especialistas chamam de "idade de ouro da transição demográfica", ora em curso até 2013, quando a população jovem ainda apresenta certo crescimento (José Cechim, Livro Branco da Previdência Social, Brasília: Ministério da Previdência Social, 2002). Mesmo assim, para que esses jovens contribuam para a Previdência Social, é preciso que façam parte do mercado formal de trabalho, o que não é o caso para da maioria dos brasileiros.

A ampliação da expectativa de vida deve ser festejada como uma das maiores conquistas da humanidade. A redução da fecundidade pesou muito, é verdade. Mas os avanços da medicina pesaram mais. Os seres humanos estão conseguindo dominar doenças que, há cem anos, não eram sequer diagnosticadas. E a própria medicina vem oferecendo a oportunidade para os idosos desfrutarem de uma vida de boa qualidade.

Mas isso custa caro. O sistema previdenciário tem de garantir a renda para que os idosos possam se valer dos avanços da ciência moderna. Por isso, é imprescindível que a Previdência Social conte com recursos seguros e crescentes.

Elevar a idade de aposentadoria para 65 anos é a providência mais urgente, abrindo-se ainda uma brecha para essa idade ir crescendo ao longo do tempo. Do lado da receita, a garantia da segurança é essencial.

A eventual transferência da parte das contribuições previdenciárias da folha de salários para o faturamento das empresas vai na contramão dessa exigência, pois a qualquer desativação da economia, a arrecadação previdenciária cai de modo instantâneo. Enquanto isso, a população continuará envelhecendo e candidatando-se à aposentadoria. Essa transferência, aliás, inexistente no mundo, poderá gerar muita instabilidade para uma instituição que tem um compromisso marcado com a demografia do país. Por isso, nesse campo, toda atenção é pouca.