Publicado em O Estado de S. Paulo, 13/07/2004.
Alongamento da jornada de trabalho
Foi uma escolha dura. Afinal, os sindicatos europeus, de um modo geral, são ciosos na manutenção do que foi contratado. Os alemães, então, nem se fala. Mas a situação ficou crítica. A fábrica de telefones móveis da Siemens, localizada na Westafália (noroeste da Alemanha), tomou uma decisão extrema. No início de 2004, para manter-se competitiva, decidiu mudar aquela unidade para a Hungria, que tem uma força de trabalho bem educada e salários mais baixos.
A mudança seria uma catástrofe, pois destruiria cerca de 4 mil empregos diretos e dezenas de milhares de empregos indiretos.
O anúncio da mudança não era "blefe". Ocorrências anteriores mostraram aos sindicatos tratar-se de uma dura realidade. A Ford Motor Company, em 2003, transferiu uma fábrica da Bélgica para a Turquia, tendo destruído mais de 3 mil empregos diretos. O mesmo ocorreu com uma montadora de caminhões da General Motors Corporation da Alemanha que se mudou para a Polônia.
O assunto preocupou a todos. As próprias comunidades entraram em sobressalto. Apelou-se para a negociação. Depois de muita conversa, concessões e transações, os empregados da Siemens, com aprovação do seu sindicato, aceitaram ampliar a jornada de trabalho, de 35 para 40 horas semanais (por dois anos), em troca do mesmo salário, transformando ainda o 13º salário em um bônus atrelado à produtividade.
Com isso, a empresa refez seus cálculos, cancelou os planos de mudança, e permaneceu na Alemanha. Tudo indica que essa prática vai se expandir. O caso da Siemens não é isolado. A Bosh também estava disposta a sair da Alemanha. O mesmo aconteceria com a fábrica de semi-condutores da Philips localizada em Hamburgo e com algumas unidades da DaimerChrysler (Stuttgart e outras), cuja migração para o leste destruiria mais de 10 mil empregos diretos ("Germany puts extra hours into keeping domestic jobs", Financial Times, 30/06/2004).
As mudanças mencionadas foram evitadas por meio de entendimentos entre empregados e empregadores e mediados por sindicatos fortes como é o caso da IG Metal da Alemanha.
Isso destaca a vantagem da negociação. Ela serve para reduzir e para ampliar jornadas. O que teria acontecido se a jornada de trabalho nesses países fosse fixada em lei? Teriam ido para a rua milhares de trabalhadores altamente qualificados.
Jornadas fixadas em leis enrijecem as relações do trabalho. Empregados e empregadores sofrem na carne a impossibilidade de negociar.
Neste momento em que, no Brasil, aumenta a prática de horas extras, renasce a idéia de se reduzir a jornada de trabalho através de um dispositivo mais forte do que o legal - ou seja, um princípio constitucional.
É preciso ter muito cuidado com esse tipo de decisão. Se é difícil mudar uma lei ordinária, é quase impossível revogar uma "conquista" constitucional. Uma medida desse tipo colocaria todas as empresas, de norte a sul do país e em todos os setores, dentro da mesma camisa de força, quando, pela via da negociação, isso pode ser ajustado de forma diferenciada de acordo com região, setores e conjuntura - aliás, como já vem ocorrendo.
E, se a redução pretendida implicar na manutenção da remuneração atual, a economia como um todo terá uma elevação generalizada do salário-hora o que, mesmo em condições concorrenciais, levaria as empresas a repassarem os custos para os preços ou procurarem outras paragens, com forte redução do emprego.
Nem na Europa, onde as instituições do trabalho tendem a ser bastante regulamentadas, a jornada de trabalho foi reduzida por lei. Houve a exceção da França, é verdade. Mas, mesmo ali, deu-se um certo tempo para empregados e empregadores negociarem várias concessões. Hoje, a ampliação da jornada com o mesmo salário que ocorre nos países vizinhos, coloca a França em condições desvantajosas. As autoridades já reconheceram isso a ponto do Ministro das Finanças, Nicolas Sarkozy (que é advogado), ter anunciado sua disposição de liderar uma campanha para revogar a lei das 35 horas semanais.
Será uma campanha inglória. Uma vez estabelecidos em lei, os direitos no campo trabalhista se tornam quase petrificados. Os cidadãos não aceitam mudança e os eleitores se vingam dos que tentam fazê-la, condenando-os à derrota eleitoral. É isso que precisamos considerar seriamente no Brasil antes de se partir para uma aventura constitucional sobre redução de jornada de trabalho.
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