Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/04/1991
Como organizar a livre negociação
As freqüentes acelerações inflacionárias têm conspirado contra a livre negociação salarial no Brasil. Mas, independente da taxa de inflação, o Brasil carece de uma base institucional que discipline a negociação no campo trabalhista. Sem isso, ela jamais vingará.
A livre negociação, hoje em dia, se pauta pela Constituição e pela CLT. Os dois institutos contribuem pouco para estimular e disciplinar o processo. A Constituição Federal, apesar de no artigo 7º submeter matérias à negociação, no artigo 114, ela permite às partes recusarem a negociar. A CLT, na parte que trata das convenções coletivas de trabalho, por seu turno, se dedica apenas ao resultado da negociação e não, à organização do processo.
O disciplinamento da negociação no Brasil exige 3 tipos de reformas na CLT: 1) o estabelecimento da obrigatoriedade de negociar; 2) a criação de estímulos para negociar e desestímulos para o uso desnecessário da Justiça do Trabalho; 3) a definição de regras para se resolver os conflitos individuais e coletivos por meio da mediação e arbitragem.
Isso exigiria seis modificações conceituais no Título VI da CLT, a saber: 1) a negociação teria de receber primazia absoluta sobre qualquer outro procedimento de resolução de conflitos; 2) os dissídios deveriam ser instaurados após comprovado esforço de negociação de boa fé; 3) o Ministério do Trabalho precisaria implantar o já criado Serviço de Mediação e Arbitragem, oferecendo mediadores e árbitros para ajudar na negociação e resolução de impasses; 4) ao mediador caberia preparar um relatório circunstanciado sobre as pautas e a conduta das partes durante a negociação para instruir o dissídio coletivo; 5) aos Tribunais do Trabalho, com base no relatório do mediador e no seu próprio julgamento, deveria ser permitido devolver o processo às partes para ulterior negociação; 6) a lei deveria permitir às partes negociar sistemas de indexação salarial e proteção do emprego desde que não fossem eles suscetíveis de arbitragem ou dissídio coletivo.
Essas são algumas sugestões para estimular a negociação no Brasil. A superação de nossa tradição cultural de dependência e proteção, em si, é um obstáculo à implantação da livre negociação. A falta de uma base institucional é outra.
Um país que se desregulamenta não pode ficar amarrado no campo do trabalho. Ademais, é impossível para a Justiça do Trabalho dar vazão às avalanches de milhares de dissídios coletivos, com número crescente de cláusulas complexas, para as quais os juízes não podem dedicar, em média, mais do que um minuto por cláusula – segundo estimativa de Hugo Gueiros Bernardes no trabalho "O Desenvolvimento da Negociação no Brasil". A modernização mais urgente neste país é, sem dúvida, a que abrange suas instituições básicas.
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