Publicado em o Estado de S. Paulo, 18/05/2004.
O trabalho na nova União Européia
Os 15 países que constituíam a União Européia até 1º de maio de 2004 já eram bastante diferentes em matéria trabalhista. Com a incorporação de 10 novos, sendo 8 ex-comunistas, a heterogeneidade ampliou-se. A República Checa, Hungria, Polônia, Eslovênia, Eslováquia, Lituânia, Letônia, Estônia, Chipre e Malta são realidades muito contrastantes quando comparadas aos 15 integrantes originais da União Européia.
Tais realidades terão de se integrar. São duas Europas, para dizer o mínimo. E as duas terão de se integrar. É um desafio colossal. Na maioria dos casos, os recém-chegados se encontram no meio do processo de mudança de uma economia estatizada para uma economia de mercado. No campo político vive-se a transição entre autoritarismo e democracia, em que a negociação é a alma do sistema.
Na transição iniciada, os países ex-comunistas entregaram-se a uma frenética produção de leis trabalhistas, fruto dos anos de dominação em que o Estado presidia as relações entre as pessoas no trabalho e na sociedade em geral. São leis detalhadíssimas, cheias de protecionismos irrealizáveis, aliás, muito parecidas com a nossa CLT.
A negociação trabalhista é ainda incipiente. Ao mesmo tempo, muitos exercícios de pactos sociais de nível nacional foram realizados nos últimos dez anos - seguindo a tradição centralizadora do velho regime -, focalizando grandes temas, tais como o de reestruturar a economia e promover justiça social, e não a negociação coletiva. Esta já se instalou, rudimentarmente, no nível das empresas, mesmo porque são embrionárias as instituições básicas para garantir negociações conseqüentes: sindicatos, associações empresariais e mecanismos de resolução de conflitos (conciliação, mediação, arbitragem, etc.).
Em suma, os países recém-incorporados caracterizam-se por uma farta legislação e uma pobre realidade. Na saída do comunismo, eles acreditaram que os problemas trabalhistas poderiam ser resolvidos por uma grande profusão de leis detalhadas. Mas o abismo entre a pretendida proteção legal e a inegável desproteção real é monumental. Em relação à União Européia, que também é muito legalista, mas que caminhou muito no terreno da negociação e começa entrar na era do diálogo social, as distâncias são ainda maiores (Manfred Weiss, "Industrial relations and European Union enlargement", in Conference of the challenges of globalization, London [Canadá], 2003).
Os ajustes a serem realizados entre recém-chegados e os originais deverão provocar mudanças em todo conjunto de países. Tomemos o caso da migração de trabalhadores. As regras da União Européia garantem a liberdade de migrar para trabalhadores que tenham nacionalidade de um dos Estados membros e estejam engajados em alguma atividade econômica (como empregados ou como autônomos).
Obedecidas essas condições, qualquer trabalhador pode (teoricamente) se mudar para países onde o emprego é mais abundante e mais bem remunerado. Chegando ao país escolhido, o trabalhador é obrigado a aceitar as ofertas de empregos existentes, mas, antes da escolha, pode se movimentar livremente dentro do país para avaliar tudo o que existe.
Trata-se, sem dúvida, de um convite tentador para trabalhadores que enfrentam em seus países os problemas de desemprego e subemprego e, sobretudo, para os que auferem salários baixos - como é o caso dos países recém-integrados. O salário-hora na Letônia, por exemplo, é de US$0,28 enquanto na Alemanha é US$26,45!
Ora, a União Européia tem tido problemas nesse campo nos 15 países originais, em especial, com a penetração de gregos, portugueses e espanhóis na Alemanha, França, Itália e Bélgica. O que será de uma eventual avalanche de trabalhadores dos países recém-integrados? Antevêem-se dias de dificuldade para a própria União Européia "se adaptar" à nova realidade dos 25 países. Não se pode esquecer que uma grande parte de poloneses, húngaros, checos e eslováquios já trabalham na União Européia de forma ilegal. Para eles, a recente integração abriu-lhes as portas para legalizar sua situação, com um forte efeito demonstração para amigos e parentes que serão atraídos para os países de maior renda e, sobretudo, de melhores benefícios, em especial, a assistência médica, aposentadoria e seguro-desemprego.
Os atuais empregadores dos trabalhadores informais quererão continuar com eles nas situações garantidas pelas leis e contratos coletivos existentes nos países mais avançados. Muitos empregados serão despedidos por perderem a "vantagem comparativa" da ilegalidade consentida no mercado informal.
Como se vê, o desafio é bilateral. As "duas" Europas terão de fazer um grande esforço para chegarem a um ambiente trabalhista que seja suficientemente homogêneo para justificar a existência de uma "comunidade européia".
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