Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/12/1991
Um grande passo na área trabalhista
Há 15 dias, Suely Caldas publicou em artigo nesta página, a minha sugestão para se manter o resíduo do IPC-r até a sua extinção gradual, cujo objetivo era preservar alguma proteção enquanto não se muda a Constituição Federal no campo do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Em 13 de outubro de 1991, também nesta página, apresentei a idéia de se introduzir o método da "oferta final" na Justiça do Trabalho, a fim de elevar o risco das partes que optarem pelos tribunais, estimulando-as, assim, a negociar até a exaustão. No dia 22 de dezembro de 1990, outra vez no Estado, advoguei a criação de um serviço de mediação para ajudar a negociação e reduzir a multiplicação de dissídios coletivos e sentenças judiciais sobre conflitos de natureza econômica.
Ao ler a recente medida provisória que tratou da desindexação salarial, vejo essas três propostas incorporadas às novas regras de negociação. Penso que o Brasil deu um grande passo nesse terreno. São ingredientes importantes para se sair da camisa-de-força que sempre presidiu as negociações trabalhistas em nosso país.
Tais medidas, embora necessárias, estão longe de ser suficientes para conter a doentia preferência brasileira pelo "garantismo legal". Entre negociar livremente e reajustar automaticamente os salários vai uma longa distância. Se a negociação é livre, é claro que as partes usarão a sua liberdade para criar novos métodos de proteção salarial, que, de forma escamoteada, podem representar formas sofisticadas de indexação.
As bases institucionais foram lançadas – e bem lançadas. Mas, muita coisa vai depender do mercado. Uma coisa é negociar livremente. Outra coisa é estancar os reajustes automáticos. O governo, atento a essa diferença, fez a MP referida proibir o uso de índices de preços para reajustar salários. O futuro dependerá, porém, do desempenho da economia. Se os tempos forem de recessão, os novos mecanismos ajudarão o tipo de negociação que será marcada pela concessão, adiando os reajustes automáticos. Se os tempos forem de crescimento acelerado, a negociação será marcada pela recuperação das perdas de forma estilizada – e não há como impedir isso.
Da mesma forma, se a economia continuar se abrindo, a competição nacional e internacional impedirá as empresas de realizar repasses automáticos e indexados aos preços. Nesse caso, os aumentos salariais terão de vir do lucro ou da produtividade. Se a economia se fechar, os monopólios e oligopólios ganharão força, o que facilitará o repasse dos aumentos salariais aos preços e a própria indexação.
A montagem do novo sistema de negociação e resolução de conflitos coletivos foi engenhosa. Foi um grande avanço. Mas é cedo para comemorar a morte da indexação salarial. Uma vez contida a força dos tribunais, tudo vai depender, daqui para frente, da força da economia e do comportamento da própria inflação.
Para não deixar dúvidas, na agenda da reforma constitucional, passou a ser prioridade máxima mudar o artigo 114 da Constituição Federal para, com isso, colocar um ponto final nesse estranho poder da Justiça do Trabalho ao arbitrar conflitos econômicos. Brasil e Sri Lanka são os únicos países que mantêm esse poder. Não seria mau se Sri Lanka viesse a ficar sozinho nesse campo.
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