Publicado em O Estado de S. Paulo, 20/04/2004.
Organização dos trabalhadores no local de trabalho
Um dos temas da agenda do Fórum Nacional do Trabalho é a organização dos trabalhadores no local de trabalho por meio de uma comissão de empregados ou de comitês sindicais.
Tais modelos tiveram origem na Europa. Os conselhos de empregados ("workers councils") são garantidos por lei na Áustria, Bélgica, Alemanha, Holanda e Espanha e, por negociação coletiva, na Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Itália.
As leis que estabeleceram a sua obrigatoriedade ganharam força após a Segunda Guerra Mundial. Para evitar a estatização pregada pelo comunismo, empregados e empregadores buscaram novas formas de convivência. Em alguns países a participação dos empregados chegou ao topo da administração (co-gestão) como na Alemanha, Áustria, Holanda, Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia.
Na prática, os conselhos de empregados têm atuado sob a orientação dos sindicatos, pois a maioria de seus membros são sindicalistas. Na Espanha, por exemplo, desde 1986, as centrais sindicais elegem cerca de 70% dos membros daqueles conselhos. Por meio desse artifício, os sindicatos ampliam o seu poder dentro das empresas e ganham o envolvimento dos não sindicalizados, adicionando legitimidade às suas ações – mesmo nos países onde é baixa a sindicalização como, por exemplo, na Espanha e França.
Na França existem três tipos de representantes nos locais de trabalho: (1) os delegados de pessoal; (2) os comitês de empresa; e (3) os delegados sindicais. Tais mecanismos permitem aumentar também o poder econômico dos sindicatos. As empresas francesas são obrigadas a contribuir com recursos expressivos para aquelas representações, que variam entre 0,5% a 2% da folha de salários, podendo chegar a 5% nas grandes empresas.
Esse tipo de arranjo político-econômico de representação sindical inexiste em outras partes do mundo. Nos Estados Unidos, apenas 9% da força de trabalho são cobertos por negociações sindicais. Nesses casos, há apenas um representante dos sindicatos ("shop steward") para fazer a ligação entre empregados e empregadores. No Japão e na maioria dos países do sudeste asiático, os sindicatos são por empresa onde sindicalistas e administradores tendem a trabalhar lado a lado. Na Oceania, tanto na Austrália quanto na Nova Zelândia, há a figura do "shop steward" para acompanhar o cumprimento do contrato coletivo. Na América Latina, Brasil inclusive, são raros os casos de conselhos ou comissões de empregados e, quando existem, são estabelecidos por negociação e não por lei.
Há algum tempo, as centrais sindicais brasileiras reivindicam o estabelecimento de representações garantidas por lei, cujas funções seriam: (1) encaminhar os atos decorrentes das atividades dos sindicatos; (2) fiscalizar o cumprimento dos acordos, convenções ou contratos coletivos; (3) participar das decisões da empresa sobre automação, terceirização, transferência de plantas produtivas, aquisições e fusões, dentre outras.
Trata-se de uma guinada de profundidade. As resistências culturais serão grandes. Os empresários brasileiros nunca se sentiram ameaçados por uma estatização dos meios de produção como ocorreu na Europa. Na sua concepção (com raras exceções), a presença de comissões de empregados ou comitês sindicais que passam a opinar sobre os assuntos acima referidos constituem focos de conflitos e não de entendimento. Ademais, a Constituição Federal (artigo 11) já assegura a presença de um representante dos empregados nas empresas que têm mais de 200 empregados.
Os conselhos de empregados ou comitês sindicais são vistos como uma tentativa de interferir no comando da empresa. Pode não ser essa a intenção dos sindicalistas. Mas é nesse campo que surgem as maiores objeções. Assim também ocorreu e continua ocorrendo na Europa. Em muitos países, os conselhos de empregados e comitês sindicais têm poderes quase legislativos que forçam os administradores a tentar conciliar interesses irreconciliáveis.
Daí a controvérsia. Justamente, os trabalhadores querem opinar e participar e os empresários desejam manter sua autoridade e liberdade para poder responder rapidamente aos desafios econômicos, argumentando que decisões desse tipo não podem esperar reuniões intermináveis que funcionam como correias de transmissão dos interesses sindicais.
Em suma, a representação de trabalhadores no âmbito das empresas brasileiras, garantida por lei, é um ponto muito sensível e, provavelmente, terá de ser postergada ou praticada por negociação. Afinal, já há muitas inovações para serem absorvidas com as reformas que até aqui foram propostas pelo Fórum Nacional do Trabalho como é o caso dos critérios de representatividade, a pluralidade sindical, a representatividade derivada, a contribuição negocial e outros.
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