Publicado no Jornal da Tarde, 03/03/2004.
O enigma da produtividade
Segundo dados de janeiro de 2004, a economia americana cresceu cerca de 3,5% em 2003 enquanto que a brasileira encolheu 0,2%. A grande mola propulsora da retomada americana foi o aumento da produtividade que superou a casa dos 4,5%.
Embora seja inegável que a produtividade é a alavanca do progresso, as medidas convencionais tem apresentado resultados divergentes especialmente quando saímos dos grandes agregados e descemos para o mundo real, onde convivem empresários e trabalhadores.
No conceito tradicional, a produtividade de uma economia é dada pela relação entre o volume da produção (numerador) e o número de horas trabalhadas (denominador). Mas no nível das empresas o assunto é muito mais complexo. Sintam um pouco essa complexidade nos seguintes exemplos.
Com a entrada das novas tecnologias, as pessoas passaram a realizar muitas tarefas ao mesmo tempo. O computador, o telefone, o fax, Internet e outros recursos permitem ao mesmo funcionário responder as mensagens em no momento em que as recebe, transmitindo-a imediatamente para outras pessoas na forma de ordem de serviço, o que desencadeia uma série de providências no processo produtivo. Qual é o volume de produção a ser colocado no numerador? Só a final?
Vejam este outro exemplo. As mesmas tecnologias permitem a realização de trabalhos em lugares diferentes e jornadas atípicas. Isso afeta o denominador. O funcionário que completa o seu período de 8 horas, no fim do dia, vai para casa, dá ordens aos seus companheiros através do telefone fax e Internet. Além disso, solicita retorno. Com base nesse retorno, novas informações são repassadas para que o turno da noite possa trabalhar com segurança e entregar tudo pronto até a manhã seguinte. Qual é o número de horas trabalhadas a ser colocado no denominador? Só as oito horas da empresa?
As medidas convencionais de produtividade ignoram essas nuanças. Elas desprezam inúmeras interações que podem fazer muita diferença no resultado final da produtividade. O processo produtivo tornou-se extremamente complexo e aprofundou a correlação entre tecnologias, recursos humanos e administração. As pesquisas que usam apenas uma ou duas variáveis podem detectar um efeito falso.
A mensuração da produtividade no setor de serviços, onde o emprego é ascendente, está se tornando muita mais complexa do que a do setor industrial. Ao mesmo tempo, a interface entre esses dois setores é tão intensa que ficou difícil separar indústria do comércio e dos serviços. A IBM fabrica computadores e dá assistência técnica. É uma indústria que presta serviços. A VARIG transporta passageiros e cargas e vende a marca Smiles aos bancos. É uma transportadora atrelada ao setor financeiro. Como medir o efeito final de todas essas interações?
O desprezo dos efeitos intermediários no nível micro-empresarial demanda muitas informações que nem sempre são usadas na medição convencional da produtividade, levantando sérias dúvidas sobre a precisão e fidedignidade do que está sendo medido. Nos Estados Unidos as estimativas da produtividade dos últimos anos variaram entre 4,6% e 2,3% (William Nordhaus, "Alternative methods for measuring productivity growth", National Bureau of Economic Research, Working Paper 8095, 2000). Outros falam em diferença entre 2,9% e 1,4% (John Cassidy, The productivity mirage, The New Yorker, 27/11/2000).
Tais diferenças, aparentemente irrisórias, têm um impacto colossal na economia como um todo. Uma produtividade de 2,9% permite dobrar o nível de vida dos americanos em 24 anos, ou seja, em uma geração. Com 1,4%, isso acontecerá em 50 anos, ou seja, duas gerações.
Por isso é muito grave subestimar o número de horas trabalhadas assim como é grave subestimar a produção realizada por cada cidadão. Pesquisadores mais atentos afirmam que a jornada de trabalho nos Estados Unidos se ampliou de forma substancial quando se incluem as atividades realizadas nos trens, aviões, hotéis e na própria casa quando aquela crise de insônia só é resolvida depois da pessoa solucionar um problema que a atormenta.
No Brasil esse problema começa a ganhar corpo. O número de pessoas que trabalham em casa, nos meios de transporte e nos hotéis cresce a cada dia. Tudo isso significa que teremos de aperfeiçoar muito as medidas convencionais que simplesmente dividem a produção agregada pela soma final das horas trabalhadas. A produtividade tornou-se um fenômeno complexo e que desafia os pesquisadores. Continuamos usando as medidas agregadas. Mas sabemos que são um grande enigma.
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