Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/02/2004
O pesadelo da terceirização no exterior
O vôo dos empregos para o exterior começou na década de 70, mas ganhou aceleração nos últimos dez anos. Índia, China, Malásia, Rússia e todos os países da Europa Oriental transformaram-se em grandes pólos de atração nos quais as empresas estrangeiras realizam inúmeras atividades, ceifando empregos domésticos nos Estados Unidos, Japão e União Européia.
No início, iam para fora os empregos de baixa qualificação do setor industrial tais como os trabalhos de confecções, calçados, bolsas, produtos de madeira, palha e vime e outros. Mais adiante começaram a voar os empregos de média qualificação do setor de serviços tais como processamento de documentos de escritório, reservas de passagens aéreas, atendimento em "call centers" e outros. Recentemente, porém, estão migrando empregos que requerem educação refinada e experiência comprovada como é o caso da pesquisa de medicamentos, interpretação de tomografias e ressonância magnética, até cirurgias, com ou seu robôs.
No passado, a corrida ao exterior visava o menor preço. Hoje, as empresas e os consumidores estão em busca do melhor preço. Os países de atração de emprego já oferecem trabalhos de qualidade por preços imbatíveis, especialmente, quando comparados aos do Primeiro Mundo. Um profissional da área de desenvolvimento no campo da informática com cinco anos de experiência, por exemplo, custa US$ 96 mil anuais na Inglaterra, US$ 75 mil nos Estados Unidos e U$ 18 mil na China. Um pesquisador experimentado no campo da biotecnologia custa anualmente US$ 120 mil na Inglaterra, US$ 100 mil nos Estados Unidos e U$ 30 mil na Índia ("Outsourcing: stolen jobs?", The Economist, 13/12/2003).
O vôo dos empregos mais qualificados transformou-se em grande pesadelo. Afinal, o que vai ficar nos países mais desenvolvidos? Até mesmo as cirurgias começam a ser realizadas no exterior. Uma implantação de ponte de safena, que custa US$ 35 mil nos Estados Unidos, pode ser feita na Tailândia ou na Índia por US$ 8 mil.
Isso está atraindo milhares de pessoas que não possuem seguros de saúde nos Estados Unidos, Japão e União Européia. Em 2002, os melhores hospitais da Tailândia trataram mais de 300 mil estrangeiros; em Cingapura, foram 200 mil ("Sand, sun and surgery", BusinessWeek, 16/02/2004).
Para tranqüilizar os pacientes sobre possíveis falhas em higiene e qualidade dos serviços, os bons hospitais asiáticos encaram o novo empreendimento como um projeto multidimensional. Muitos já foram credenciados por instituições britânicas e americanas. Em todos, o inglês é língua oficial. A alimentação é adaptada aos padrões ocidentais. Durante a internação, os pacientes assistem vídeos em inglês, usam a internet no próprio quarto e, conforme o caso, desfrutam dos spas dos próprios hospitais. Além da cirurgia, os asiáticos oferecem um pacote completo de serviços ao paciente que inclui a passagem aérea, hospedagem em hotéis no pós-operatório e passeios turísticos ajustados às limitações de cada um.
Será que o Brasil pode se tornar um pólo de atração para quem deseja terceirizar serviços no exterior? É pouco provável. Embora já se tenha notícias de poucos "call centers" que aqui se instalaram para prestar serviços ao exterior, a atração de grandes quantidades de empregos depende de três fatores inexistentes no Brasil: massas de jovens especialistas, domínio completo de línguas e leis (trabalhista e tributária) favoráveis a essas contratações atípicas.
O que tem se notado no Brasil é o inverso. Apesar de ser um país de salários baixos, muitas empresas fazem seus trabalhos no exterior como é o caso, por exemplo, da impressão de livros e revistas e até de treinamentos profissionais.
Uma coisa é certa. O trabalho se globalizou. Nesse processo, cada nação pode atrair ou expulsar trabalho. No momento, o Brasil mais expulsa do que atrai. Está na hora de reverter o processo antes que as barreiras protecionistas nos impeçam.
Isso é sério. O senador John Kerry, candidato democrata, promete mudanças legais para impedir a perda de empregos dos Estados Unidos para o exterior. Na União Européia, vários países já proibiram enviar dados bancários para fora de seus territórios. E assim a proteção vai crescendo também no setor de serviços.
Temos de nos preparar para participar desse novo mercado global - o do trabalho - e para tanto é indispensável agir nos três campos mencionados: formação profissional, domínio de línguas e legislação atraente.
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