Publicado em O Estado de S. Paulo, 02/12/2003.
Sindicato como substituto dos trabalhadores
O Supremo Tribunal Federal está examinando o significado do Inciso III do artigo 8º da Constituição Federal que diz: "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria..."
Os ministros têm opiniões divididas. Uns entendem que esse direito é amplo e irrestrito, o que daria aos sindicatos a competência para ajuizar ações em nome de seus associados e não associados, independentemente de procuração, consulta ou autorização, em defesa de direitos hipoteticamente gerais e homogêneos. Outros consideram que tais ações teriam de ser qualificadas e reguladas.
Não sou competente para discutir o assunto no campo jurídico, mas desejo explorar as conseqüências práticas de uma eventual substituição processual ampla e irrestrita.
Uma questão preliminar: o que ganharia um sindicato ao negociar com as empresas tivesse ele o poder de tomá-las como reféns, substituindo toda uma categoria, sem autorização dos seus membros, ou até contra sua vontade? Nada.
Na discussão de um acordo ou convenção coletiva, o empregado pode comparecer às assembléias e acompanhar a negociação. Mas, o que fazer quando um sindicato aciona uma empresa em seu nome, sem consultá-lo, sem procuração e sem autorização?
A substituição processual ampla e irrestrita conspira contra a negociação e induz o seu uso como mera estratégia de pressão, e não como um processo de harmonização de interesses. O desequilíbrio passa a ser a marca das relações de trabalho, fazendo surgir um clima de litigiosidade predatória, com efeitos devastadores sobre as empresas, os empregos e a economia em geral.
Muitos argumentam que as empresas "certinhas" estariam livres dessa arma. Duvido. As ações girariam em torno de questões normalmente controversas, tais como insalubridade, periculosidade, penosidade, meio ambiente, turnos de revezamento e outras. O alvo prioritário seria as grandes empresas por possuírem muitos empregados e bolsos mais fundos. Dentre as preferidas estariam as da União, Estados e Municípios - Petrobrás, Banco Central, Banco do Brasil, Caixas Econômicas (federal e estaduais), empresas de abastecimento de água e energia, e a própria administração direta.
Por não ter o ônus da sucumbência, muitos sindicatos estariam prontos para montar mega-ações, de elevado valor e grande complexidade, invocando perdas passadas sob os mais variados e imprevisíveis motivos - criando, assim, um estado de profunda incerteza. A qualquer momento as empresas poderiam ser obrigadas a fazer provisões gigantescas para amparar passivos trabalhistas incertos e oriundos do anonimato de integrantes de uma categoria, substituídos por um sindicato, muitas vezes, desconhecido. A propósito, conseguiriam os sindicatos distribuir o resultado do processo aos respectivos substituídos? Como localizá-los depois de quatro ou cinco anos de uma ação judicial? Como conter os abusos e desvios de recursos?
No Brasil, as entidades sindicais não representam associados, mas sim categorias difusas e indeterminadas. É difícil para os trabalhadores concordarem ou discordarem de um sindicato que decida substituí-los, na calada da noite, sem a sua autorização ou consulta prévia. Muitos dos 13 mil sindicatos profissionais serão tentados a se aproveitar dessa dificuldade para instalar no país uma verdadeira indústria de conflitos - e de receitas. Uma parte dos trabalhadores, da mesma forma, buscará tirar proveito do conforto do anonimato para, no final da lide, dizer aos empregadores: "não tenho nada com isso, foi coisa do sindicato..."
Nesse ambiente, até o valor patrimonial das empresas seria abalado. Quem compraria uma organização que a lei a tornou impotente para evitar uma derrocada no futuro devido a uma inesperada ação do passado? Ninguém!
Uma incerteza desse tipo reduziria a capacidade empresarial para captar recursos, com graves prejuízos para o investimento e para o trabalho. O simples ajuizamento de uma super-ação por substituição discutível, causaria danos ao principal capital das empresas - a sua imagem - fazendo-as perder credibilidade junto a financiadores e consumidores. Um desastre!
No setor governamental, o aperto dos orçamentos impediria provisões para mega-passivos duvidosos e levaria os órgãos públicos a se endividarem, irradiando os estragos para outros setores. Afinal, o governo é o maior empregador do Brasil e responsável por milhões de empregos indiretos.
A lista de desastres é enorme. Todos desestimulam investimentos e inibem empregos. É disso que precisamos?
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