Publicado em O Estado de S. Paulo, 18/11/2003.
Em defesa da conciliação trabalhista
A imprensa tem abrigado manifestações contrárias às Comissões de Conciliação Prévia (CCPs), sob a alegação de que os conciliadores ganham fortunas, lesam os trabalhadores e fazem acordos ilegais, sem a participação dos sindicatos.
Os críticos - membros dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público do Trabalho, assim como de associações profissionais (fiscais, promotores, juizes e advogados) - em lugar de identificar os responsáveis pelos desmandos, têm atuado junto a imprensa e ao Congresso Nacional, neste caso, visando introduzir "aperfeiçoamentos técnicos" na Lei 9.958/2000 que, se transformados em lei, matarão as CCPs como um mecanismo voluntário de resolução de conflitos. O que buscam, no fundo, é atrelar as CCPs à complexidade e à morosidade do Poder Judiciário, criando uma situação inversa da que ocorre com as CCPs onde os acordos são feitos de forma rápida, cordial e praticamente sem custos.
Muitos dos críticos possuem, eles mesmos, as condições necessárias para punir os eventuais fraudadores das CCPs - mas não o fazem. As denúncias que levam aos jornais referem-se a ilícitos graves contra a organização do trabalho, a Constituição Federal e a CLT, afrontando, inclusive, dispositivos dos instrumentos especificamente criados para coibir a ação de espertalhões na prática da conciliação prévia. Vejamos alguns exemplos.
A Portaria 264 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 05/06/2002, (1) impede negociar nas CCPs, recursos do FGTS que prejudiquem os trabalhadores e o erário público; (2) prevê o acionamento do Ministério Público do Trabalho para denunciar e levar à Justiça os que praticam irregularidades; (3) autoriza os auditores do trabalho a realizar fiscalização junto às empresas para constatar a lisura ou as irregularidades das conciliações realizadas nas CCPs.
A Portaria 329 do mesmo Ministério, de 14/08/2002, (1) exige a presença dos sindicatos nos casos de rescisão contratual; (2) impõe que os trabalhos das CCPs sejam gratuitos para os trabalhadores; (3) impede o uso das CCPs como fonte de renda para entidades sindicais; e (4) proíbe a remuneração dos conciliadores, e prevê outras providências - todas rigorosas.
Dizem haver conciliadores das CCPs que cobram um percentual de cada acordo realizado, ganhando até R$ 50 mil por mês! Por que não abrir inquéritos e levá-los às barras dos tribunais? Aliás, os membros do Ministério Público e da Justiça, cujos profissionais, em sua vasta maioria, são de honra inatacável, quando necessário, têm punido com rigor seus próprios pares. Basta ver o que está ocorrendo com os fiscais e magistrados que se meteram nessa pavorosa onda de corrupção que envergonha o país perante o mundo. Por que não usar o mesmo rigor para apenar quem viola as regras das CCPs e lesa os trabalhadores?
Em pesquisa de campo que realizei em 2002 junto a uma amostra de 30 CCPs que haviam concluído cerca de 80 mil conciliações, verifiquei que os acordos foram alcançados em ambiente de respeito e cordialidade, em apenas dez dias, e praticamente sem custos, conforme indica o quadro abaixo.
Tipos de Casos |
No. de Casos |
% |
Casos analisados |
79.940 |
100,00 |
Casos conciliados em 10 dias |
61.142 |
76,50 |
Casos não conciliados |
18.729 |
23,40 |
Casos pendentes |
69 |
0,01 |
Mas se há suspeitas de burlas, que sejam apuradas. Quantos são os casos? São a maioria? Onde estão? Quem são os responsáveis? Sugiro aproveitar a oportunidade para se fazer uma comparação entre as conciliações diretas, realizadas nas CCPs, e as que são feitas com a ajuda de terceiros, como as da Justiça do Trabalho, incluindo-se neste caso, os montantes acordados, o tempo de espera, o valor líquido que sobra para os trabalhadores depois de retirados os honorários advocatícios e o custo da própria Justiça. Isso traria à mesa os dados necessários para se avaliar, com objetividade, as vantagens e desvantagens dos dois sistemas.
Sabe-se que, com a chegada das CCPs, o número de ações na Justiça do Trabalho despencou, e isso ocorreu no período de 2001-2002, anos recessivos, quando, normalmente, as demissões aumentam e provocam uma avalanche de reclamações trabalhistas. Inegavelmente, o clima mudou. Com as CCPs as partes passaram a se entender diretamente e os conflitos judiciais diminuíram.
Será esse o grande incômodo dos que criticam as comissões de conciliação prévia? Uma gritaria propelida pelo velho e danoso corporativismo?
Esforço-me para não acreditar nisso. Mas só terei certeza, depois de examinar dados de pesquisas e, sobretudo, depois de ver os que criticam as CCPs exercendo a sua responsabilidade de fiscalizar, investigar, apurar e punir os que violam a Lei 9.958.
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