Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/11/2003.
Cunha sindical
A Medida Provisória no. 130, de 17/10/2003, autorizou os empréstimos diretos aos empregados do setor privado, com desconto em folha de pagamento com vistas a reduzir a inadimplência e baixar os juros.
Boa medida! Os trabalhadores precisam de um dinheiro mais barato para esticar o seu poder aquisitivo, pois a queda dos salários nos últimos doze meses ultrapassou a casa dos 12%, o desemprego chegou aos 13% e a informalidade aos 60%.
As centrais sindicais viram naquela MP uma brecha para elevar suas receitas, de forma direta, cobrando uma sobretaxa no empréstimo, e de forma indireta, induzindo os trabalhadores a se sindicalizarem e pagarem as contribuições associativa, assistencial, confederativa, negocial e outras.
A Força Sindical fechou acordos com bancos mediante os quais cobrará 0,5% sobre o montante emprestado e mais 0,5% em cada prestação paga pelos trabalhadores. Isso encarecerá o empréstimo, pois nenhum ingênuo vai achar que o 1% adicional vai ser absorvido pelos bancos. Ao contrário, essa despesa vai para a taxa de juros e será paga pelos trabalhadores.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) fechou acordos com vários bancos que penalizam os trabalhadores com despesas mais altas quando estes não são filiados aos sindicatos ligados àquela central. Criou-se assim uma nova tipologia: trabalhadores de primeira classe (sindicalizados) e trabalhadores de segunda classe (não sindicalizados), o que parece infringir frontalmente o Inciso V do artigo 8º da Constituição Federal que diz com todas as letras: "Ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato", o que significa dizer que ninguém pode ser penalizado por não ser sindicalizado - o que já provocou reações do Ministério Público do Trabalho.
É incrível que, quando todos clamam pela redução das exorbitantes taxas de juros, o Poder Executivo dá com uma mão e tira com outra. Sim, porque as artimanhas engendradas pelas centrais sindicais foram explicitamente autorizadas pelo artigo 4º da Medida Provisória 130 que estabelece: "Poderão as entidades e as centrais sindicais firmar, com uma ou mais instituições consignatárias, acordo que defina condições gerais e demais critérios a serem observados nos empréstimos..." Inexplicável!
Há outras questões inexplicáveis nessa MP. Por mais que se reconheça o esforço das centrais ao buscarem a sua legalização como entidades sindicais, o fato é que, no momento, elas são meras associações civis, sem nenhuma competência sindical e nem têm "representados", como quer o parágrafo 2º do artigo 4º daquela MP.
Como podem, então, as centrais sindicais intermediar negócios entre bancos e representados que não possuem? Se a lei lhes dá essa prerrogativa, o mesmo poderá ser pleiteado por outras associações civis como o MST, as Comunidades Eclesiais de Base e várias outras ONGs. Não seria o caso do Poder Executivo ter respeitado a lei atual e aguardado a legalização das centrais antes de passar-lhes esse tipo de competência?
Mas há outros problemas na precipitada decisão. Por que criar mais intermediários junto aos bancos que já são intermediários nas atividades financeiras? Essa intermediação implica na criação de mais cunha - a cunha sindical - o que acaba elevando a taxa de juros - exatamente o contrário do pretendido pela MP 130.
Se a idéia é simplificar, desburocratizar e baixar os juros, parece razoável que se garanta apenas o desconto em folha, deixando para os bancos e os trabalhadores buscarem a sua melhor forma de negociar como, aliás, já ocorre há muito tempo com inúmeros acordos estabelecidos entre as instituições financeiras e funcionários públicos federais, estaduais e municipais.
Será que o governo quer continuar cultivando o carcomido conceito de que os trabalhadores do setor privado são "hipo-suficientes" e, com tal, precisam de muletas dos sindicatos e entidades civis para poder distinguir um bom empréstimo de um mau empréstimo?
Há alguma coisa escondida por trás dessa medida. Se é para criar um mecanismo que baixe juros, nota dez! Se é para gerar receitas espúrias e implantar intermediários desnecessários, nota zero.
Em suma, o Congresso Nacional tem nesse caso uma excelente oportunidade para reter a parte positiva e afastar a negativa da referida MP. Uma das providências mais urgentes é suprimir o Inciso II do artigo 3º que obriga os empregadores a fornecer dados dos seus empregados às entidades sindicais - uma intromissão absurda e descabida!
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