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Publicado em O Estado de S. Paulo, 21/10/2003.

Os sindicatos na intermediação financeira

Um dos maiores consensos neste país gira em torno da necessidade de se baixar as taxas de juros para que os investimentos voltem a se direcionar para a produção e os empregos. As reduções efetuadas pelo COPOM têm sido sempre criticadas pelos que desejariam ver o Brasil praticando taxas de Primeiro Mundo.

As centrais sindicais fazem parte da luta contra as taxas escorchantes e, recentemente, fizeram uma sugestão para baixá-las. Trata-se do empréstimo direto aos empregados do setor privado, com desconto em folha de pagamento que levou o Poder Executivo a editar a Medida Provisória no. 130, em 17/10/2003.

O argumento básico é que, a garantia do desconto em folha diminuiria a inadimplência e os bancos cobrariam juros mais baixos.

Apesar do belo propósito, a MP autorizou os sindicatos e as centrais sindicais a cobrarem pelos serviços de intermediação entre os bancos e os trabalhadores. O Estado de S. Paulo de 8/10/2003 noticiou que, de imediato, a Força Sindical fechou um acordo com o Banco Santander Banespa segundo o qual a entidade receberá 0,5% sobre o montante emprestado e 0,5% sobre o valor de cada parcela paga pelo trabalhador - na prática, 1%.

Como explicar que, no meio de tanto esforço para baixar os juros, o governo autoriza uma entidade sindical criar uma nova cunha fiscal nas operações de crédito?

Será muita ingenuidade acreditar que aquele ponto percentual dos sindicatos vai ser pago pelos bancos. Nada disso. O acréscimo será embutido na taxa de juros e pago pelos trabalhadores.

Na referida Medida Provisória notam-se tantas garantias para intervenção dos sindicalistas sugerindo que a verdadeira razão da engenhosa manobra foi a de criar mais uma fonte de receita para os sindicatos e as centrais sindicais. Aliás, na aludida matéria jornalística, noticia-se que o Presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, viu na "inovação", uma alternativa para garantir recursos para os sindicatos em vista da crônica ameaça de extinção da atual contribuição sindical.

Mas, se a própria contribuição sindical, que é um tipo de imposto (compulsório), arrecadado de associados e não associados dos sindicatos - está fora do controle das autoridades, o que dizer da nova receita a ser arrecadada? Teoricamente, ela se destina a cobrir as despesas de divulgação e fiscalização da nova modalidade de empréstimo. Quem controlará o seu destino? Os sindicatos e as centrais sindicais publicam balanços? Apresentam demonstrativos aos Tribunais de Contas?

Nada disso. O artigo 8º da Constituição Federal que veda a intervenção do Estado nos sindicatos foi interpretado pelas entidades sindicais como um "liberô geral" e por isso ninguém presta conta a ninguém. Os bancos estimam a injeção de R$30 bilhões nessa modalidade de emporéstimo. Se os sindicatos cobrarem 1%, em média, estamos falando de algo em torno de R$ 300.000,00! É um belo dinheiro, especialmente quando é livre.

Ademais, os bancos já atuam junto aos empregados através de suas agências e postos de atendimento instalados empresas. A diferença estaria na garantia do desconto em folha que, até ntão, era feito na conta bancária. Será que isso faz muita diferença? Afinal, quando o trabalhador perde o emprego, tanto a conta bancária quanto o seu hollerith viram pó e a inadimplência ocorre.

A Central Única dos Trabalhadores, promete evitar a oportunista intermediação. Mas o seu Presidente, Luiz Marinho, adiantou que, de fato, existe um custo para os sindicatos promoverem e fiscalizar esse tipo de empréstimo.

É, ninguém dispensa um cavalo arreiado, passando nos seus bigodes... O que parece absurdo é o governo lutar para baixar a taxa de juros, de um lado, e autorizar os sindicatos a elevá-la, de outro. O financiamento dos sindicatos é matéria a ser discutida e acertada no âmbito da legislação pertinente e não em expedientes estranhos à atividade sindical como é o caso da intermediação financeira.

O grande problema da maioria das entidades sindicais brasileiras é que elas querem continuar vivendo com os cofres cheios e as assembléias vazias e, sobretudo, com recursos que se dissociam da defesa dos interessas dos trabalhadores. É o velho corporativismo que, no passado, atrelou os sindicatos ao Estado e que agora ameaça atrelar os sindicatos à toda a sociedade. Está na hora de mudar.