Publicado em O Estado de S. Paulo, 21/10/2003.
Os rumos da terceirização
Depois de quase seis anos de tramitação e aprovação em praticamente todas as comissões técnicas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva decidiu retirar do Congresso Nacional o projeto de lei 4302/98, que disciplina o trabalho temporário e a terceirização, alegando que o assunto é uma das matérias a serem tratadas pelo Fórum Nacional do Trabalho, ora em andamento.
Os dirigentes sindicais, de um modo geral, não gostam da terceirização. Há motivos explícitos e implícitos. Dentre os explícitos, o mais citado é que a terceirização precariza o trabalho. Dentre os implícitos, eles não gostam de ver trabalhadores saindo de sua base sindical.
Mas o mundo do trabalho segue seus próprios caminhos. As empresas não podem fazer tudo com a mesma eficiência. Por isso, concentram-se na sua atividade principal e "compram" serviços especializados. O principal objetivo da terceirização é a busca da especialidade e do melhor preço - e não simplesmente do menor preço. Tentar forçar a contratação de profissionais como empregados por prazo indeterminado afeta a qualidade dos serviços, a equação de custo das empresas e sua competitividade.
É verdade que muitas empresas passaram a "desterceirizar" o que descobriram ter sido mal terceirizado. Mas essa não é a regra. O mercado de trabalho do mundo inteiro passa por enormes transformações. O emprego por prazo indeterminado ainda é dominante, mas ele vêm mudando, sendo secundado por outras formas de trabalhar. Vejamos os dados.
Na União Européia, 90% das grandes empresas compram fora os bens e serviços que utilizam dentro. No período de 1994-2000, 80% dos novos postos de trabalho criados foram em tempo parcial, seguidos por trabalhos temporários e por conta própria. Na Inglaterra, o tempo integral declinou 10% nos últimos 20 anos e o tempo parcial já atinge 22% da força de trabalho. E 20% trabalham em atividades temporárias ou são autônomos. Na Alemanha, entre 1988-98, o tempo parcial passou de 11% para 17,5% e não pára de aumentar. Na França, entre 1975-95, os empregos em tempo integral cresceram em 1 milhão, enquanto que os em tempo parcial aumentaram em quase 2 milhões. Na Holanda e Espanha deu-se o mesmo. Só o teletrabalho responde por 5% das atividades dos europeus e 10% dos americanos. Na Coréia do Sul, no curto período de 1997-2002, as atividades atípicas cresceram 50%!
O lado mais dramático vem agora. No mundo atual, quando as empresas se vêem ameaçadas na competitividade, elas buscam terceirizar fora do país. Bangalore (Índia), recebe diariamente milhares de documentos referentes a empréstimos concedidos por firmas americanas e que são analisados e aprovados por contadores indianos. Centenas de radiologistas interpretam testes de ressonância magnética realizados nos Estados Unidos. Ao norte de Nova Delhi, 2.500 jovens trabalham em 3 turnos processando reclamações e pedidos de indenização de seguradoras americanas e 3.300 engenheiros trabalham para a HP - Hewlett Packard dos Estados Unidos.
Em Manila, Shangai, Budapest e San José (Costa Rica) funcionam inúmeros escritórios de retaguarda das maiores empresas da Europa, Estados Unidos e Japão. Na China e Índia estão os maiores escritórios dos bancos britânicos. As tarefas enviadas para fora estão ficando cada vez mais sofisticadas, em especial, as que vão para a Rússia, Ucrânia, Romênia, Polônia - países que têm uma força de trabalho altamente capacitada.
Em suma: Na década de 70, exportavam-se bens e serviços. Na década de 80, exportavam-se empresas. Na década de 90, importavam-se cérebros. Hoje, exportam-se empregos. Beneficiaram-se os países que têm boa educação, profissionais bem treinados, leis trabalhistas adequadas e salários mais baixos. É a união do aumento da produtividade, redução de custos e maleabilidade das regulações. Imbatível!
Em recente reportagem, a Folha de S. Paulo mostrou que nos últimos vinte anos, inúmeros técnicos em calçados do Rio Grande do Sul e São Paulo foram para a China, transformando aquele país num competidor voraz do Brasil.
Os números são assustadores. Em 1985, o Brasil exportou 113 milhões de pares de sapatos para os Estados Unidos e a China apenas 21 milhões. Em 2001, o Brasil exportou 94 milhões e a China 1,1 bilhão! Com isso, os empregos minguaram para os brasileiros e explodiram para os chineses ("Brasileiros vão à China em Busca de Emprego", São Paulo: Folha de São Paulo, 05/10/03).
Se queremos manter os brasileiros trabalhando no Brasil com proteções realistas, convém atentar para essa revolução, e disciplinar adequadamente as novas formas de trabalhar - inclusive a terceirização.
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