Publicado no Jornal da Tarde, 15/10/2003.
Novos trabalhos, novas regras
No mundo inteiro, as leis trabalhistas e previdenciárias surgiram para proteger, fundamentalmente, o trabalho industrial exercido em regime de subordinação, por prazo indeterminado e de forma concentrada em grandes empresas.
Mas o mundo mudou. Hoje, o trabalho industrial, tornou-se minoritário, tendo sido suplantado pelas atividades do comércio e serviços. A relação subordinada - de emprego - continua sendo a predominante, mas vem passando por enormes transformações. Ao lado dela, surgiram o trabalho por projeto; o trabalho casual; o teletrabalho e outros.
O mercado de trabalho se diversificou. Todavia, a legislação trabalhista manteve-se quase intacta, protegendo apenas a relação típica de subordinação na qual as proteções são atreladas ao emprego e não aos trabalhadores. Por exemplo, só faz jus ao seguro desemprego quem esteve empregado durante certo tempo. As pessoas que fazem trabalhos ocasionais não têm nenhuma proteção quando ficam sem trabalho.
O que fazer? Tentar enquadrar todas as pessoas na situação de emprego? Tarefa inglória. O mercado de trabalho não vai mudar de tendência para se ajustar a uma lei que é limitada a apenas um dos seus inúmeros segmentos - o do emprego. Mesmo nessa categoria, as mudanças foram enormes. Ao lado do emprego em tempo integral, surgiu o emprego em tempo parcial. Ao lado da jornada fixa, multiplicaram-se as jornadas variadas. Ao lado da remuneração assalariada, cresceu a remuneração por resultados. Em lugar da carreira atrelada aos postos de trabalho, floresceu a carreira ligada às pessoas.
Não há como reverter esse processo. E daí? Vamos deixar o mercado de trabalho procurar sua própria disciplina? Não! O mercado de trabalho é diferente do mercado de commodities e precisa ser regulamentado - no caso, re-regulamentado para abranger as novas formas de trabalhar.
Esse é um desafio mundial. No período de 1994-2000, cerca de 80% dos novos postos de trabalho criados na União Européia foram em tempo parcial que hoje abrange 20% da força de trabalho - na Holanda é 40% . No mesmo período, os trabalhos temporários e por conta própria aumentaram consideravelmente.
Para as novas formas de trabalho, a proteção precisa estar atrelada aos trabalhadores e não aos cargos e às posições que eles temporariamente ocupam. A nova proteção do trabalho terá de ser portátil. O que interessa é proteger o cidadão mesmo porque ele faz um intenso zigue-zague no mercado de trabalho. Hoje ele é empregado em tempo integral; amanhã trabalha em tempo parcial; depois de amanhã, como remunerado por tarefas ocasionais; em seguida, volta ao emprego em tempo integral; para depois, entrar novamente no trabalho autônomo. O mercado de trabalho dos dias atuais é um verdadeiro caleidoscópio. A cada momento ele se apresenta de um jeito e as pessoas precisam ser protegidas o tempo todo.
No Brasil a desproteção é desumana. Os dados da PNAD de 2002 publicados na semana passada revelaram que dos 78 milhões de brasileiros que trabalham, 48,5 milhões estão na informalidade - mais de 60%! - sem nenhuma proteção. São 25,5 milhões de empregados e empregadores e 23,3 milhões que trabalham por conta própria ou sem remuneração.
É claro que muita coisa é pura ilegalidade. Mas novas leis precisam ser criadas para dar um mínimo de proteção à maioria dos que estão em condições que não podem ser enquadradas na situação de emprego. Não podemos continuar com uma lei "tamanho único" quando o mercado de trabalho se diversifica de maneira tão acentuada.
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