Publicado no Boletim "Relações do Trabalho", CNI, jan./fev. 1999
Cláusula social pode ser usada como barreira comercial
Com a perspectiva de se intensificarem as exportações dos países que desvalorizaram suas moedas, é bem provável que barreiras tarifárias e não-tarifárias venham a se levantar, reacendendo a idéia de se incluir nos estatutos da Organização Mundial do Comércio (OMC) a cláusula social – mecanismo através do qual os países passariam a sofrer sanções comerciais por não cumprirem normas mínimas de trabalho e praticarem o dumping social.
As diferenças de custo de mão-de-obra ajudam, atrapalham ou são neutras para o comércio internacional? Nesse campo, há defensores das três posições. Para alguns, qualquer tipo de diferença constitui vantagem comparativa legítima do país exportador, e, por isso, deve ser mantida.
Para outros, as práticas que decorrem do descumprimento de normas mínimas de trabalho constituem vantagens ilegítimas e precisam ser banidas. Elas determinam desequilíbrios e geram desemprego nas nações desenvolvidas.
Finalmente, há os que não vêem nenhuma relação entre normas mínimas e comércio internacional, argumentando que, na prática, o impacto da produção dos países menos desenvolvidos sobre os mais desenvolvidos é desprezível, pois mais de 80% do comércio internacional são realizados entre as nações mais ricas do mundo.
Além da controvérsia teórica, há problemas conceituais. Afinal, o que são normas mínimas de trabalho? Alguns países restringem-se à: (1) proibição de trabalho forçado, escravo e infantil; (2) respeito à liberdade de se associar e negociar coletivamente; (3) garantia de proteção à saúde dos trabalhadores; e (4) proibição de discriminações (cor, sexo, religião, etc.). Outros incluem: (5) emprego e remuneração condignos; (6) compromisso com a melhoria do padrão de vida dos trabalhadores; (7) amparo aos deficientes. Há ainda os que desejam ver na lista (8) salário e jornada condignos.
O Brasil possui na sua legislação a proibição do trabalho forçado, escravo e infantil; a garantia da liberdade de associação e negociação coletiva; a proteção à saúde dos trabalhadores; a proibição de discriminações; o salário mínimo; e jornadas de trabalho condignas. Mesmo assim, o País tem sido acusado de se desviar no campo do trabalho infantil. Poucos sabem, porém, que é crescente o número de empresas que já combatem o trabalho de crianças ao rejeitar comprar produtos de fornecedores que utilizam menores de 14 anos. Além disso, vários programas governamentais (Bolsa-Escola e Poupança-Escola) vêm produzindo resultados positivos, ao atacarem a causa do problema (precariedade de renda da família) e criarem condições para as crianças ficaram mais tempo na escola.
Estaria o Brasil, então, em condições de aceitar a inclusão de sanções comerciais no campo trabalhista? Essa decisão depende de várias definições anteriores.
Quem escolheria o que entra na lista das normas mínimas? A ONU, que cuida dos direitos humanos? A OMC, que trata do comércio? A OIT, que se dedica ao trabalho?
De que forma o organismo escolhido implementaria o cumprimento das normas mínimas? O que fazer quando, por exemplo, há um desvio entre a lei e a realidade? E quando o desvio é grande? Quem será punido? O país, o produtor ou os intermediários?
As diferenças trabalhistas entre os países que participam do comércio internacional são enormes e elas se refletem no custo da mão-de-obra. Devido a uma conjugação de fatores, com o custo de um operário alemão, por exemplo, contrata-se 2 americanos, 5 taiwaneses e 128 chineses. As regras de contratação, remuneração e demissão nesses países são completamente diferentes, mas todas fortemente arraigadas na história, cultura e política de cada país.
Nenhuma nação se nega a evoluir na direção dos mais altos padrões de direitos humanos e trabalhistas. Elas divergem, porém, na forma de implementar essa evolução. As nações ricas, com raras exceções, insistem em estabelecer normas supranacionais com sanções comerciais explícitas para os violadores. As pobres reconhecem a necessidade de progredir, mas defendem que o nível de vida das populações não pode ser melhorado através de tratados internacionais, mas sim do desenvolvimento de cada nação – caminho, aliás, seguido pelas próprias nações ricas.
O tema está longe de ser um problema de direitos humanos. As dimensões econômica e política são tão importantes quanto a humanitária.
O assunto saiu da OMC e está na OIT. Este organismo já produziu vários documentos, mas um entendimento universal é ainda remoto. Convém a empresários e trabalhadores acompanhar e participar dessa importante discussão, pois isso afeta profundamente a competitividade das empresas e o emprego dos cidadãos. O seu "site" é: www.ilo.org.
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