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Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/08/2003.

O seguro de acidentes do trabalho

A situação dos acidentes do trabalho e doenças profissionais melhorou nos últimos anos, mas o Brasil continua gastando uma fábula para cobrir aqueles infortúnios - cerca de R$ 30 bilhões por ano! É uma despesa monumental quando se considera que a maioria dos acidentes e doenças é evitável com boas campanhas e bons seguros.

O seguro de acidentes do trabalho (SAT) é uma das peças essenciais e indispensáveis nesse campo. A lei brasileira exige que as empresas paguem 1%, 2% ou 3% sobre a folha de salários em função do grau de risco (leve, médio ou grave) da sua atividade predominante.

Do ponto de vista econômico, esse sistema é pouco estimulante, pois deixa de premiar a empresa cuidadosa e é generoso com a empresa descuidada. Muito melhor seria atrelar os prêmios do seguro ao desempenho de cada empresa. Nos países onde isso é feito, os empresários investem o mais possível em prevenção, para pagar o menos possível em tarifação. O principal beneficiário é o trabalhador que fica melhor protegido.

O Brasil já deu alguns passos nessa direção. O mais recente está no artigo 10 da lei 10.666/2003 que permite ao Ministério da Previdência Social reduzir a alíquota do SAT em até 50% para as empresas cuidadosas e aumentar em até 100% para as desleixadas.

Essa lei ainda não foi regulamentada. Ao fazê-lo, o legislador descobrirá que, para ser eficiente, há que se usar uma série de indicadores para avaliar e controlar o desempenho das empresas o que, por sua vez, requer competência técnica e capacidade administrativa das seguradoras. Os estudiosos do assunto conhecem bem essa matéria, sabem como operar aqueles indicadores e defendem a sua aplicação há muito tempo, como é o caso da Associação Brasileira de Prevenção de Acidentes.

Para estimular a referida capacidade técnica e administrativa, a maior parte dos países coloca as seguradoras em regime de concorrência, como fez o Brasil na Emenda 20 da Constituição Federal, aprovada em 1998.

Esse estímulo, porém, foi eliminado pelo texto da Emenda 40, recém aprovado pela Câmara dos Deputados e que trata da reforma da Previdência Social. Foi um grave retrocesso. Se vingar, o seguro de acidentes do trabalho será monopólio do INSS pelo resto da vida.

Será que aquele órgão está aparelhado para acompanhar tecnicamente o desempenho de cada empresa no que tange aos investimentos em prevenção, redução de riscos, cálculo dos índices de freqüência e de indicadores de gravidade? Será que, como monopolista, o INSS terá estímulos para montar uma rede de contatos que permita dialogar diariamente com os empregadores, empregados e membros das CIPAs, em busca de uma solução que seja boa para empresas, seguradoras e, sobretudo, trabalhadores? Será que o órgão dispõe de pessoal especializado, em número suficiente, para enfrentar esse desafio na grandiosidade do Brasil?

Até hoje, o INSS não revelou muita capacitação na tarefa de prevenir e nem mesmo de reabilitar. Na verdade, são raríssimos os monopólios que realizam, com boa qualidade, atendimentos individuais gerenciados. No caso do SAT, foi isso que levou um grande número de países a adotar sistemas concorrenciais mistos, com grande sucesso e envolvendo seguradoras públicas, privadas, mútuas e cooperativas (Münchener Rück-Munich Re Group, Seguro de acidentes do trabalho - análise dos sistemas públicos e privados, Munchen, 2001)

Tais países são rigorosos na regulação da concorrência. As leis impedem que as seguradoras venham a definir bons e maus riscos, amparando os primeiros e abandonando os segundos. Em muitos casos, estabelecem uma alíquota mínima para todos e outra diferenciada, que é atrelada ao desempenho das empresas.

Com isso, a competição fica acirrada e obriga as seguradoras a manter carteiras equilibradas, que atendam os vários graus de risco nas pequenas, médias e grandes empresas e para todos os trabalhadores. Com isso elas vão a campo. Montam sistemas eficientes para avaliar e controlar o desempenho. Atuam junto às empresas, caso a caso, para que invistam em prevenção. E, quando ocorre um acidente, procuram reabilitar os acidentados usando os melhores recursos para, com isso, colocá-los de volta ao trabalho, diminuindo suas despesas e reduzindo a dor do trabalhador. E se isso for impossível, liberam indenizações compensadoras.

Em suma, a operação de um sistema eficaz e eficiente no campo do seguro de acidentes do trabalho exige mecanismos de estímulo que façam convergir os interesses das empresas, das seguradoras e, sobretudo, dos trabalhadores. O monopólio é a pior receita para se fazer isso.

O Senado Federal ou a própria Câmara dos Deputados, no segundo turno, precisam, no mínimo, abrir audiências públicas para ouvir os estudiosos sobre a Emenda 40 e, em seguida, reparar o erro cometido. Ao que tudo indica, os parlamentares foram levados a decidir com base em um viés ideológico que deseja passar todos os sistemas de proteção para o âmbito do Estado. Mas saúde e vida não podem ser preservadas com ideologia - exigem praticidade.